19/09/2013

Carta aberta a António Costa sobre o ruído autárquico


In Público (18.9.2013) e chegado por e-mail:

«Por Luís Neto Galvão

Exmo. senhor presidente da Câmara Municipal de Lisboa,

Dada a proximidade das autárquicas, tomo a liberdade de confrontá-lo com o problema do ruído nocturno. Muito embora afecte várias cidades do país, é na capital que assumiu proporções gigantescas, mercê da obstinada indiferença (ou incapacidade) de V. Exa. em acorrer às necessidades mais elementares dos seus munícipes.

A câmara... a que V. Exa. preside está obrigada por lei a identificar focos de ruído causado por eixos viários, aeroportos ou estações de caminho-de-ferro. Ao fazê-lo, cabe-lhe também definir um plano estratégico de combate ao ruído que proteja os munícipes, já de si insones crónicos, de um flagelo de consequências trágicas. Porém, até à data não foi ainda adoptado qualquer plano de combate ao ruído, apesar de o prazo fixado para o efeito na directiva do ruído ter sido há muito ultrapassado. Além da saúde das pessoas, é também a imagem de Portugal que sai afectada, uma vez que o desrespeito daquela directiva, por força da inacção da maior câmara do país, sujeita o Estado português a um processo por incumprimento junto das instâncias europeias.

Não satisfeito, V. Exa. cuidou ainda de promover activamente no centro histórico da cidade o ruído com origem na indústria do divertimento nocturno. Tendo compulsado o seu programa eleitoral, não encontrei, porém, qualquer medida de apoio financeiro ao realojamento de moradores em Massamá ou Queluz, o que é surpreendente. É que uma tão empenhada política de defesa dos interesses do divertimento nocturno no centro da cidade não pode deixar de contemplar o apoio humanitário a residentes.

Os efeitos nefastos dessa política, que desenvolveu com a ajuda do vereador José Sá Fernandes, assumiram proporções gigantescas numa vasta zona em torno do Cais do Sodré, o incrível foco de ruído nocturno que, desde o final de 2011, agride e prejudica gravemente a saúde de residentes.

Desde logo, ao encerrar ao trânsito a Rua Nova do Carvalho, aliado aos bares e discotecas locais, e ao autorizar concertos em plena rua, com o patrocínio de marcas de álcool, V. Exa. incrementou exponencialmente a afluência de frequentadores nocturnos para aquela zona e deu um sinal claro de que a autarquia favorece o surgimento de uma verdadeira indústria nocturna numa zona residencial. O resultado está à vista, tendo os novos estabelecimentos surgido como cogumelos.

Seria faltar à verdade dizer que V. Exa. nada fez quando confrontado com queixas de residentes. Com dispêndio considerável de recursos públicos, V. Exa. tentou domar um monstro em roda livre, aumentando as fiscalizações aos bares, alterando, sem visíveis resultados, as regras de limpeza nocturna e terminando os after-hours (medida eficaz, embora só num estado de pura calamidade se possa considerar uma vitória obrigar bares e discotecas que funcionam em áreas residenciais a não abrir depois das 4h00).

V. Exa. acedeu também na constituição de um grupo de trabalho para discussão dos problemas da zona, sob a liderança mole de José Sá Fernandes. Em representação dos moradores, assisti incrédulo, ao longo de varias sessões, aos monólogos de Sá Fernandes em diligente defesa dos interesses dos bares, discotecas e restaurantes da Rua Nova do Carvalho. No quadro deste grupo de trabalho, Sá Fernandes produziu um relatório onde propôs medidas como o financiamento pelos bares das janelas duplas dos moradores e outras pérolas idênticas.

Ao mesmo tempo, abdicando dos seus poderes de império sobre o espaço público, V. Exa. entregou nas mãos da Associação dos Bares do Cais do Sodré a organização de um "concurso" de legalidade discutível para uma obra na Rua Nova do Carvalho (financiada por marca de vodka), destinada à sua consagração plena ao serviço do divertimento nocturno. Esta obra, que incluiu a pintura da rua com tinta cor-de-rosa, foi decidida sem que os moradores fossem sequer informados. Acontece que, como é sabido (e V. Exa., que é jurista e foi ministro da Justiça, não pode deixar de saber), o ruído nocturno em excesso viola com gravidade o direito dos residentes ao descanso, o qual integra o elenco de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados.

É de referir que uma medição feita por empresa certificada em Maio deste ano (por iniciativa dos moradores), revelou níveis de ruído de 70 db entre a 1h00 e as 4h00, na zona ainda não fechada ao trânsito da Rua Nova do Carvalho. Este nível ultrapassa largamente o máximo permitido por lei, que é de 55 Db. Idêntico cenário existe na Rua do Alecrim e Rua das Flores, por onde afluem milhares de frequentadores ao Cais do Sodré, sendo a Rua da Ribeira Nova um enorme bar a céu aberto.

Refira-se também que ao longo de quase dois anos desde que a rua em causa foi fechada nunca a CML fez sequer uma medição dirigida ao ruído indiferenciado de que os moradores se queixam, tendo, pelo contrário, reforçado a caracterização da Rua Nova do Carvalho (que pintou de cor-de-rosa), como espaço dedicado em exclusivo ao divertimento nocturno.

Perante estes factos, por quanto tempo mais vai V. Exa., a quem compete a intransigente defesa do interesse público, continuar a promover o lucro do divertimento nocturno no centro de Lisboa e a colocar em primeiro plano os interesses desta indústria em detrimento da saúde dos moradores?

Advogado, membro do movimento Nós Lisboetas»

4 comentários:

Anónimo disse...

Movimento Nós Lisboetas ?????
Quem são? Onde se pode consultar as vossas ideias para a Cidade ? O que têm feito (para além de, muito legitimamente, protestarem em relação ao que consideram não estar bem)? Apoiam, revêem-se ou integram alguma das atuais candidaturas à CML?

Anónimo disse...

Em Lisboa tudo se vende.

E esta vereação não tem a menor vergonha na cara.

Se o que agora acontece sucedesse, por exemplo, no tempo de Santana Lopes (um péssimo presidente de câmara) diziam cobras e lagartos.

Até a ideia dele de instalar esplanadas, restaurantes, hotéis, lojas, no Terreiro do Paço foi atacada sem piedade.

É passar por lá hoje. Hoje ou, melhor ainda, nos dias de piqueniques, palcos e barracões montados, arraiais, etc, etc.

Anónimo disse...

O nosso objectivo e o de melhorar as condições de habitabilidade no centro histórico, onde o ruido se destaca como um modo particularmente pernicioso de agressão a saude das pessoas. Ha outras causas como o lixo, delinquência, estacionamento, despovoamento. E creio que já chega. Não temos activísmo político mas estamos em contacto com os partidos e fazemos pressão pela realização dos nossos objectivos. Temos uma mailing list vasta e uma pagina no facebook aquimoragente
De resto, a realidade fala por si. Passe pelas 2 da manha pela rua rosa e va a seguir ao mercado da ribeira, ponha-se no lugar de quem vive ali e diga depois o que pensa deste retrocesso civilizacional. Um pouco de empatia por quem quer dormir e um pouco de bom senso e o que pedimos.

Anónimo disse...

E depois porque razão é que vida noturna e divertimento tem de se passar na rua? Porque razão têm as ruas de ser privatizadas para clientes específicos deste ou daquele espaço.
É o mesmo que eu pôr mesas e cadeiras na rua da minha escola de línguas e não deixar ninguém passar porque estou a dar aulas lá.
Os bares têm um uma determinada capacidade e se estão cheios os clientes passem para outro.
Deveria ser proibido beber na rua. Em muitos países é absolutamente proibido beber nas ruas e ficar à porta a beber. Todas esta discussão está inquinada por aqueles que tentam fazer a confusão entre ter vida noturna com regras e civilizada e aqueles que querem fazer das ruas de Lisboa um sul de Espanha onde quem não pode ter determinados comportamentos nos seus países vem aqui fazer e onde adolescentes e jovens vêm fazer as bravatas próprias da idade sem pensar que não estão sozinhos no mundo.
O que se está a passar com este tipo de vida noturna é uma vergonha e patrocinada por aqueles que querem ser reeleitos. Para o inferno com eles!