10/05/2007

Vereadores estiveram a ferro e fogo até ao último momento

In Público Online (10/5/2007)

«Pegou nos papéis e saiu, sem cumprimentar ninguém. Houve quem se tivesse recordado do célebre aperto de mão que Manuel Maria Carrilho se recusou a dar-lhe após um debate televisivo, em plena campanha eleitoral. Carmona Rodrigues deixou ontem da última reunião da Câmara de Lisboa deste mandato com todos os vereadores demissionários a despedirem-se com cumprimentos, desejando boa sorte uns aos outros.
A câmara caiu, mas o seu presidente e cinco membros da sua lista não renunciaram aos mandatos e continuam em funções, até que o Governo nomeie uma comissão que assegure a gestão corrente da autarquia enquanto não têm lugar eleições. Os cumprimentos de circunstância a que Carmona se furtou foram antecedidos de uma violenta discussão que espelhou de forma simbólica os últimos tempos que se viveram na câmara: vereadores da mesma lista e até do mesmo partido a defender posições antagónicas, alianças improváveis entre forças políticas rivais e, acima de tudo, aquilo que o eleito pelo Bloco de Esquerda Sá Fernandes designa como "uma perda de tempo a discutir politiquices em vez de se debaterem coisas substanciais, com cada uma das partes em confronto mais interessada em salvar a face" do que na resolução dos problemas concretos da cidade. "Foi inacreditável", comenta o autarca a propósito da discussão, que se centrou sobre se os vereadores votavam ou não o relatório e contas da empresa que gere os bairros municipais de Lisboa, a Gebalis. Nessa altura já todos se haviam quase atropelado para renunciarem aos mandatos em primeiro lugar e desrespeitado acordos sobre essa matéria. "Parecia uma coisa infantil: todos queriam ser os primeiros", observa o vereador social-democrata Amaral Lopes, recordando que até há dois dias ninguém queria dar esse passo em primeiro lugar.
Foi uma maratona que durou das 9h30 às 17h30, com uma escassa hora de almoço pelo meio, a reunião de câmara que descambou na violenta discussão sobre a Gebalis. Sá Fernandes compara o ambiente que se viveu nas últimas horas da Câmara de Lisboa com o da "saída de um enterro": "As pessoas não sabem do que hão-de falar e dizem umas piadas, para desanuviar". Temas melindrosos como a aprovação de um loteamento para terrenos do Sporting ou as recentes nomeações para a administração da Empresa Pública de Urbanização de Lisboa não foram sequer discutidos: as respectivas propostas foram adiadas para depois das eleições, daqui a pelo menos dois meses (ver outros textos nesta página). Melhor sorte teve a nomeação de um representante da câmara para o conselho de administração do Mercado Abastecedor da Região de Lisboa, que passou com os votos favoráveis do PSD e do PP.
O ambiente aqueceu depois do almoço, quando os vereadores começaram a debater se era ou não necessário aprovar nomeações para o conselho de administração da nova empresa municipal de desporto, a Lx Desporto, que não está ainda sequer criada senão no papel e cujo parto tem sido difícil. Que sim, defendia o vereador do Desporto, Pedro Feist, sob pena de vários equipamentos desportivos da cidade correrem o risco de fechar daqui a cerca de um mês. Que não, garantiam os sociais-democratas que pertenciam à mesma lista que ele, alegando bastava proceder a uma alteração orçamental para impedir o encerramento (ver outros textos nesta página). Do lado da barricada dos que até ontem não tinham renunciado aos mandatos, Pedro Feist viu os vereadores do PSD tirarem-lhe o tapete, enquanto os socialistas se dividiam na votação. "As pessoas desentendem-se, desrespeitam-se... No PS há uns que não se falam sequer entre si", observa Amaral Lopes, para quem os receios manifestados pelo seu colega Pedro Feist de que os equipamentos desportivos fechem não passam de um "pretexto" para "nomear um conselho de administração de uma empresa que nem sequer está ainda totalmente constituída". Amaral Lopes fala mesmo em "manipulação da informação", garantindo que existem verbas para pagar ao pessoal que trabalha nas piscinas, pelo que o problema não se põe.
Hoje será o dia em que Carmona Rodrigues se pronunciará sobre a queda da câmara. Está também marcada uma conferência de imprensa do Sporting por causa do adiamento da proposta de loteamento dos terrenos do clube. O seu presidente, Filipe Soares Franco, deverá dizer quanto vai perder com a espera, que durará no mínimo dois meses. Ontem, em declarações à Antena 1, o presidente do conselho fiscal do Sporting, Agostinho Abade, afirmou que o clube merecia, "pela sua história, outro tratamento".
"Lamento esta decisão de determinados políticos que, para se pavonearem e serem vistos, só aparecem em Alvalade em jogos especiais de futebol como convidados, ou em homenagens a atletas olímpicos do Sporting", criticou. Mas não se trata de um caso isolado que afecte apenas este clube desportivo: como a comissão que fica a governar a câmara até às eleições está impedida por lei de actos que ultrapassem a gestão corrente, os licenciamentos e loteamentos, já de si processos morosos, ficam congelados. O sector da construção civil que opera em Lisboa ressentir-se-á disso.
"Se soubesse o que sei hoje se calhar tinha colaborado mais com os meus pares para que as posições assumidas por todos fossem mais claras", diz Amaral Lopes. "Ainda hoje não sei senão pelos jornais por que razão são arguidos os vereadores Fontão de Carvalho e Gabriela Seara".

Ana Henriques
Adiado por proposta do PCP com a concordância do resto da oposição, o loteamento dos terrenos do Sporting já só vai ser decidido depois das eleições. O projecto incide sobre uma área de 35 mil metros quadrados junto ao estádio. O PSD queria deixar o assunto resolvido ontem, pois o processo corre desde 1982, mas a proposta de Carmona Rodrigues era idêntica a uma anterior em relação à qual Sá Fernandes ameaçara apresentar queixa no Ministério Público. Isto porque se permitiriam 80 mil metros quadrados de construção prescindindo das cedências à câmara para espaços verdes e equipamentos colectivos.
Carmona Rodrigues queria que a câmara ratificasse ontem as duas nomeações que fez para a administração da Empresa Pública de Urbanização de Lisboa - que foram alvo de uma queixa ao Ministério Público feita por dois vereadores do PS e pelo do Bloco de Esquerda. Estes autarcas entendem que Carmona tinha, desde o primeiro momento, de ter submetido as nomeações ao colectivo de vereadores, em vez de ter decidido sozinho sobre elas.
A recusa da câmara em nomear administradores para a futura empresa municipal de gestão dos equipamentos desportivos pode redundar no encerramento de várias piscinas e pavilhões desportivos daqui a um mês, garante o vereador Pedro Feist. Isto porque as duas centenas de pessoas que ali trabalham - professores e nadadores-salvadores, entre outros - têm contratos a termo que acabam neste prazo. Supunha-se que quando isso acontecesse passariam a estar vinculadas à nova empresa, mas afinal a Lx Desporto ainda não existe. Outros vereadores sustentam que os receios de Pedro Feist não têm razão de ser

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