17/02/2012

Um penoso silêncio


Por José Maria Amador in Público
director do Dep. de Conservação e Restauro do IMC


Debate Património cultural

Passados mais de seis meses da posse do actual Governo, continua por se saber quais são as linhas mestras ou os princípios orientadores dos responsáveis pela área da cultura para o património cultural.

Como afirma a historiadora Raquel Henriques da Silva, num recente artigo publicado neste jornal a propósito da não renovação da comissão do director do Museu Nacional de Arqueologia, "não houve discussões prévias, reflexão conjunta, consultas a especialistas". Tudo parece congeminado no secretismo dos gabinetes, eventualmente com juristas e gestores, "permitindo considerar que a razão de ser de tão grande reforma é apenas financeira" (cit.).
Como estamos em tempos de "vacas magras", o que importa é reduzir organismos e chefias, tudo indicando que voltamos ao tempo da Direcção-Geral do Património Cultural dos anos 70 ou do Instituto Português do Património Cultural dos anos 80, sem as áreas dos arquivos, das bibliotecas e do livro.
Em contrapartida, é reforçada a componente patrimonial das direcções regionais de Cultura (DRC) que já estava consagrada na reestruturação de 2007, agora reforçada com a transferência de museus tutelados pelo IMC [Instituto dos Museus e da Conservação] e de monumentos tutelados pela Cultura. Nada de inovador, portanto, a não ser a extinção da Direcção Regional de Cultura de Lisboa e Vale do Tejo (DRCLVT), que tinha sido criada pela anterior reestruturação. Não se entende qual o critério que levou à extinção desta direcção regional que "tutelava" uma vasta área do território nacional que se estendia não apenas à Área Metropolitana de Lisboa mas também aos distritos de Santarém e de Setúbal.
Quem assumirá as funções que estavam sob a alçada da DRCLVT?
Que modelo de gestão será implementado para os museus que passarão para a tutela das DRC? Serão geridos com as autarquias, designadamente aqueles museus cujos acervos são de interesse regional ou local? Ninguém garante, à partida, que esta medida descentralizadora contará com o apoio das câmaras.
Como irá ser gerida a importante questão da recuperação de largas centenas de monumentos pertencentes ao Estado que não sendo tutelados pela SEC [Secretaria de Estado da Cultura ] não têm, hoje, nenhum organismo público que garanta obras de manutenção e de valorização, depois da extinção da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais em 2007?
Que garantias dará o Estado para manter e reforçar um corpo técnico especializado composto por engenheiros, arquitectos, conservadores-restauradores, historiadores de arte que garanta o cumprimento das suas responsabilidades, estabelecidas na Lei de Bases de Defesa do Património?
É sobre estas e muitas outras questões que paira um penoso silêncio.
Curiosamente, o Decreto-Lei n.º 59/1980 de 3 de Abril que criou, na altura, a Secretaria de Estado da Cultura sob a dependência da Presidência do Conselho de Ministros afirma-se, no respectivo preâmbulo, que a SEC "tem sido objecto de sucessivas e ineficazes reestruturações"; que "os projectos de reestruturação não eram reflexo de uma metodologia administrativa coerente e eficaz, tendo em atenção a vasta problemática do sector".
Passados pouco mais de 30 anos sobre a criação da SEC, e após as diversas reestruturações operadas no sector da cultura (1988,1991/92, 1997, 2007), seria bom que a experiência passada fosse objecto de reflexão alargada e não ficasse confinada aos gabinetes, para que não se assista, dentro de alguns anos, a mais uma reestruturação do sector.

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