19/02/2012

Catadores de papel desviam resíduos do circuito municipal



A Polícia Municipal de Lisboa autuou, desde Novembro, oito catadores por exercerem uma actividade proibida pelo regulamento municipal de gestão de resíduos sólidos urbanos O vereador do Ambiente da Câmara de Vila Franca de Xira, Francisco do Vale Antunes, confirma a diminuição de quase 8% na recolha do papel e cartão em 2011. A redução levou a que os cofres do município tenham recebido menos 44 mil euros do que o previsto 


Por Marisa Soares in Público

A crise económica e a valorização do preço do cartão está a levar mais pessoas a apostar nesta actividade paralela e ilegal. Mas para os municípios, menos papel recolhido significa menos dinheiro nos cofres


Quinta-feira, 21h, Avenida de Berna, em Lisboa. A carrinha de mercadorias pára em segunda fila, os três homens saem e vão directos aos contentores municipais de tampa azul, deixados à porta dos prédios e estabelecimentos comerciais para a recolha camarária. Escolhem o papel e cartão em melhor estado e arrumam o material no veículo, já repleto. O carregamento dura dez minutos, a carrinha arranca e segue para completar a ronda ao quarteirão. Para trás deixa os caixotes de lixo meio vazios e nem sinal de fardos de cartão na via pública.
A cena repete-se todas as semanas, em várias zonas da capital e do país, nos dias em que há recolha selectiva de papel e cartão. Só em Lisboa, a Polícia Municipal autuou, desde Novembro, oito catadores por exercerem uma actividade proibida pelo regulamento municipal de gestão de resíduos sólidos urbanos (RSU). Por serem "recentes", os processos de contra-ordenação ainda não estão concluídos, diz a câmara. As multas podem ser de uma a dez vezes o salário mínimo nacional.
Foi no final do ano passado que, segundo a autarquia, se começou a verificar o desvio de papel. Os números falam por si: em 2011, os serviços municipais recolheram menos 12% de papel e cartão do que no ano anterior. Em Janeiro deste ano o decréscimo foi ainda mais acentuado: menos 19% em relação ao período homólogo do ano passado.
A Câmara de Lisboa atribui parte da culpa aos indivíduos que andam em busca do papel na cidade para depois o venderem a operadores de gestão de resíduos não urbanos. A actividade era aceite no passado, quando os sistemas municipais de gestão dos RSU eram ainda deficitários, mas agora é proibida. "A valorização económica deste material no mercado de recicláveis e o contexto actual de crise propiciam estas práticas", admitem responsáveis do Departamento de Higiene Urbana da autarquia. Em 2010, o preço médio da tonelada de cartão foi de 100 euros e actualmente chega aos 120 euros.
O problema não é exclusivo da capital. No Grande Porto, os oito municípios abrangidos pela Lipor (Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa de Varzim, Valongo e Vila do Conde) também se queixam dos desvios. Em 2011 foram recolhidos menos cerca de 9% de resíduos de papel e cartão do que em 2010.
Embora ressalve que "não existe uma causa que por si só possa justificar este decréscimo" - a retracção económica e a quebra no consumo são causas óbvias -, a Lipor acredita que a actividade dos catadores (também conhecidos por "farrapeiros") está a acentuar a diminuição. A Câmara do Porto não respondeu às questões do PÚBLICO sobre o assunto. Não se sabe se no Porto já foram multados catadores, mas em Lisboa foi reforçada a atenção policial para estes casos.
As zonas da capital que mais atraem os catadores são as Avenidas Novas, Areeiro, Alvalade, Baixa, Olivais, Alcântara, e também Benfica, Telheiras e o Martim Moniz. Aí, onde abunda o pequeno comércio e escritórios, a Polícia Municipal já autuou alguns reincidentes. "Há famílias inteiras dedicadas à actividade. Algumas vão buscar o cartão directamente aos lojistas e por isso acham que é legal", diz fonte policial. Para os comerciantes, o "crime" dos catadores compensa, pois assim não têm de pagar taxas adicionais à câmara pela produção de resíduos em grandes quantidades.
Nos autos de contra-ordenação não é identificado o operador que iria receber os resíduos. No caso dos catadores abordados pelo PÚBLICO na Av. de Berna, o papel e cartão desviados dos caixotes tinham como destino uma operadora licenciada para a gestão de resíduos não urbanos, em Frielas, Loures.
Confrontada por telefone com o facto de o armazém receber material furtado, a advogada da operadora diz que "é impossível saber se os resíduos vêm todos do produtor [que tem de estar registado no Sistema Integrado da Agência Portuguesa do Ambiente], ou se parte deles são recolhidos na rua", até porque a pesagem só é feita no armazém e não na origem. "Vigora o princípio da boa-fé", sublinha, afirmando que a operadora não tem controlo sobre o percurso dos transportadores de resíduos.

Falta fiscalização

Além da quebra registada na recolha do papel e cartão e dos testemunhos que dão conta da rotina semanal - em alguns casos, diária - dos catadores, não há muitos dados que permitam apurar a dimensão da actividade. A Sociedade Ponto Verde, que gere a reciclagem da maior parte das embalagens de cartão, diz que os sistemas municipais se queixam, mas acredita que esta é uma "actividade residual sem repercussões".
A verdade é que os desvios não têm grande reflexo nas taxas de reciclagem, uma vez que os resíduos acabam por ser encaminhados para valorização, ainda que por outros circuitos que não os legais. As câmaras é que sentem a diferença nos cofres. No ano passado, a Câmara de Lisboa recebeu menos 15 mil euros após entrega do papel e cartão na Valorsul. "O município faz um investimento nos contentores e no sistema de recolha, que é compensado com as receitas dos materiais recicláveis entregues às operadoras. Mas depois chega aos contentores e não tem os materiais mais valiosos. É um roubo", afirma Rui Berkemeier, da associação ambientalista Quercus.
As autoridades com competência para fiscalizar estas ocorrências não possuem dados conclusivos. "Acreditamos que possa existir um eventual aumento deste tipo de furtos, mas não possuímos dados desagregados que nos indiquem esse fundamento", disse o comissário Paulo Flor, porta-voz da Direcção Nacional da PSP. Já a Inspecção-Geral do Ambiente e do Território descarta responsabilidades na fiscalização destes casos, atribuindo-as ao Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente da GNR. O tenente-coronel Costa Lima adiantou que a GNR recebeu apenas uma denúncia relativa ao furto de papel dos ecopontos, em Vila Franca de Xira, que está a ser investigada.
O vereador do Ambiente da Câmara de Vila Franca, Francisco do Vale Antunes, confirma uma diminuição de quase 8% na recolha do papel e cartão em 2011 (o que resultou em menos 44 mil euros para o município) e admite ter conhecimento da ocorrência de furtos. No entanto, diz que esta actividade paralela é "esporádica e pontual". "O facto de não haver uma fiscalização mais apertada e de os contentores estarem na via pública, sem qualquer protecção, são elementos que acabam por facilitar o registo destes desvios", admite a Lipor, que já criou um grupo de trabalho para encontrar soluções para o problema.

8 comentários:

J A disse...

Um problema de difícil solução. De um lado pessoas idosas com pensões muito reduzidas que, obviamente terão que ir para a rua (para onde?). Do outro, os senhorios que há décadas que acarretam injustamente com uma "protecção social" que não lhes compete.

Anónimo disse...

Tristeza, mas este povo burro, ou qualquer Lisboeta que se preze não faz nada?
A cidade está a ser destruída e fica tudo manso.

Mas mais a porcaria de um Hotel para quê? Lisboa está CHEIA deles!
E na praça da figueira ainda por cima, onde há uma ou duas Residenciais e um pouco mais a cima está o Hotel Mundial...

Filipe Melo Sousa disse...

Falta fiscalização? Mas quem disse que os moradores pretendem que o dinheiro do papel reverta para a câmara? Onde está o crime? Até acho que os moradores deviam vender o papel em vez de o oferecer à CML. Eu pessoalmente fico mais contente em saber que o dinheiro fica no bolso dos homens da carrinha do que no bolso do António Costa.

Xico205 disse...

Toda a razão Filipe. Se continuam a perseguir quem tenta ganhar dinheiro com algo moralmente legitimo podem ter a certeza que deixo de pôr lixo nos ecopontos. Prefiro que vá tudo para aterro e até me dá menos trabalho. Já sustento politicos chulos com impostos e não tenho que lhes oferecer lixo para eles ganharem dinheiro.

Xico205 disse...

Julio Amorim disse...
Um problema de difícil solução. De um lado pessoas idosas com pensões muito reduzidas que, obviamente terão que ir para a rua (para onde?). Do outro, os senhorios que há décadas que acarretam injustamente com uma "protecção social" que não lhes compete.

12:11 PM

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Ou ficam a cargo de familiares, ou arranjam um biscate para ganharem mais algum ou vão para lares sociais da igreja, santa casa ou segurança social. Ou então vão para a rua reforçar o numero de sem-abrigos. Acontece a muito boa gente.

A vida custa a todos os que não têm dinheiro.

Xico205 disse...

Anónimo disse:

Mas mais a porcaria de um Hotel para quê? Lisboa está CHEIA deles!
E na praça da figueira ainda por cima, onde há uma ou duas Residenciais e um pouco mais a cima está o Hotel Mundial...

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Estão todos com ocupação não estão? Nenhum faliu pois não? Criam riqueza não criam? Criam empregos não criam? Então quantos mais hoteis melhor.

A Av José Malhoa tem muitos mais hoteis e ainda lá tem uns lotes vazios prontos a receber mais hoteis.

Unknown disse...

Olá eu todos os dias Fasso recolha de cartão e vários materiais recicláveis,
Já fui multado 4 vezes e obrigado a descarregar tudo nos armazéns da câmara
Eu não recolho cartão em via pública e não mexo nos caixotes da câmara,
Eu pergunto se onde eu vou buscar o cartão são os proprietários que me ligam para eu ir lá recolher eu não aceitar o que me dão ???????????????????????

Unknown disse...

Se não fosse o cartão que várias firmas me dão eu aminha esposa e os meus 2 filhos estaríamos a passar muita fome
Ou teríamos que fazer o que já muitos fazem : roubar, visto que o nosso governo tiranos tudo
Estamos desempregados e com a vida muito complicada continuaremos a recolher todos os materiais recicláveis cartão, ferro, etc.
O meu Tlm é 967430372 muito obrigado.