O património perdido do Ramiro Leão
O estabelecimento fundado em 1888 pelos irmãos Leão sofreu um incêndio, em 1926, que ditou a necessidade de obras, sob orientação do arquitecto Norte Júnior. As fachadas passaram a contar com uma mansarda e um torreão na esquina noroeste. No interior, na remodelação de 2001, para receber uma loja de roupa, as pinturas murais de João Vaz foram doadas ao Museu da Cidade. O elevador ao estilo Arte Nova permanece no piso térreo — são muitos os visitantes deste “património nacional”, explica uma empregada, apesar da ausência de protecção legal —, mas a caixa do bonito ascensor em madeira desapareceu nos pisos superiores. A antiga escadaria cedeu lugar a degraus em vidro, que contornam o novo elevador envidraçado. A entrada do metro e uma esplanada atafulham a envolvente outrora desafogada. O “cabelleireiro” (do início do séc. XX) sobrevive no imóvel de ar devoluto.
Por Luis Filipe Sebastião in Público
----------------------------------------------------------------------------------
( ...) " são muitos os visitantes deste “património nacional”, explica uma empregada, apesar da ausência de protecção legal "
Aqui temos um exemplo de falta sensibilidade Patrimonial e de visão estratégica com graves consequências e nítido empobrecimento para Lisboa.
João Soares permitiu a destruição dos maginifícos Interiores desta última "Maison de Couture", pretendendo afirmar-se "Kultural-mente", e indo na conversa da "Benetton" que iria ser instalado no espaço um "núcleo Kultural" ... Depois da destruição da unidade do espaço com notáveis Interiores à data intactos ... e da descontextualização de "residuos" Patrimoniais, como pedaços de tecto e elevador ... ainda tivemos que aturar por um longo tempo janelas coloridas, cujas tipologias já tinham sido alteradas ( leia-se "depuradas"), certamente ilustração de "sofisticamento Kultural".
A David & David e os seus interiores estiveram por um fio ... caso que meteu Tribunal ... e os Interiores e respectivos móveis só foram salvos quando a Sisley reconheceu o seu potencial "Vintage".
A Piccadily foi transformada num - frigorífico de sandes - ... A Aliança está "em espera"
Afinal com Soares, Salgado, Costa ... ou com outros... tanto faz ... Manuel, Francisco, António, João ... Tal como eu já afirmava em 2001 ( Ver artigo em baixo ) ... A destruição continua ...
P.S. É curioso, e ilustrativo de uma falta de estratégia e liderança ( urbanismo comercial ) que em 2001 eu falava de uma possivel utilização e reconstrução do antigo café Portugal, e a única utilização que se "arranjou" foi ao 'nível' dos sapatos Bata ...
A destruição continua ... Ramiro Leão alienado
Por António Sérgio Rosa de Carvalho 11/12/2001 in Público
Quando somos confrontados com a concretização daquilo que mais receamos, somos lançados num momento de suspensão. Pairamos no horror de uma confirmação daquilo que já intuitivamente conhecíamos no imaginário dos nossos receios. Entorpecidos pela brutalidade do choque, só o nosso sentimento de impotência indignada dá a ele uma resposta trémula.Os andaimes da Ramiro Leão acabam de ser desmontados. Com ansiedade descobrimos, ao "lermos" a fachada, que as janelas que, na última recente recuperação, tinham sido tratadas de forma tradicional e correcta, foram "depuradas". No lugar do discurso do contraste de luz e de sombra, das pausas e dos ritmos do diálogo das janelas originais com a fachada, temos agora a ausência híbrida das superfícies únicas de vidro que cobrem os vãos por inteiro. Os nossos olhos, ao procurarem, através das notáveis janelas do primeiro andar, os famosos tectos, não os encontram. Ao baixarmos os olhos, procurando desesperadamente as duas tabuletas que emolduravam a porta com o nome do estabelecimento, já as não encontramos. Entontecidos pelo choque, procuramos alguém que nos informe do pior, que já receamos... e sim... a escadaria foi totalmente destruída ....o famoso elevador foi desmontado e enviado para um museu... Ainda nos informam que o tecto do andar térreo vai ser mantido, mas entretanto já partimos, no frenesim da indignação.Tem-se ultimamente falado muito da recuperação da Baixa e do seu repovoamento. As associações de dinamização surgem todos dias com novas estratégias, com uma tendência competitiva com as dinâmicas dos centros comerciais.A Baixa é detentora de uma característica única, de uma mais-valia inimitável, que constitui precisamente a diferença que o turismo cultural e com poder de compra procura em sítios como a Burlington Arcade , a St. James Street e a Jeremyn Street londrinas. Esse carácter único e europeu, numa Europa cada vez mais descaracterizada, é-lhe garantido pela qualidade única dos interiores da suas lojas tradicionais que ainda resistiram à destruição.Visitemos agora a Confeitaria Nacional, na Praça da Figueira, exemplarmente restaurada há pouco tempo. Ao olharmos para a sua fachada, que todos os visitantes estrangeiros admiram, somos imediatamente levados a entrar. E sim, aqui as expectativas são respondidas. Notáveis tectos. Ritmos de distribuição interiores e mobiliário original ainda presentes. Uma Fénix renascida.O que vai acontecer aos interiores de estabelecimentos como a Tabacaria Mónaco, no Rossio? A deliciosa luvaria Ulisses? (esta vizinha de um outro desastre - a destruição total do interior original pelo estabelecimento de Ana Salazar, deixando a notável fachada intacta por cruel masoquismo). Etc, etc.Antes de "dinamizarmos", teremos de analisar com critério histórico, de classificar os interiores, a fim de impedirmos esta destruição criminosa.Sempre achei que o Ramiro Leão, com a sua linguagem sofisticada de resíduos parisienses "Haussman", com todas as características de pequena "maison de couture" - que tinha sobrevivido milagrosamente a aventuras menos dignas, determinadas por vivências quase suburbanas impostas pelos armazéns do Conde Barão - merecia outro destino. Num momento em que na Europa todas as capitais se empenham em fazer renascer o fenómeno do Grand Café, esta teria sido uma função admirável e de sucesso, com preservação total do interior. Isto iria confirmar a vocação cosmopolita deste canto do Chiado (já confirmada pelo sucesso do Café no Chiado) e equilibrar a "âncora" turística, obrigando a Brasileira a melhorar a qualidade humana do seu serviço (com um nível abaixo de leitaria) e assim justificar os seus preços (ao nível de brasserie parisiense) Para terminar uma sugestão. O Rossio, depois do desaparecimento de todos os cafés históricos, à excepção do Nicola - que foi alvo de uma notável e correcta recuperação -, e agora depois do seu renascimento como "fórum", precisa de um novo Grand Café . Ele ainda lá está , apesar de esquecido, no seu espaço base. O Café Portugal, que constituiu a "alternativa" modernista ao espírito dos anos 40 (duas faces da mesma moeda), representado pelo notável "Leão de Ouro" , agora muito procurado por turistas. É perfeitamente possível reconstituir na integra o Café Portugal no seu espírito original, com quinas sobre fundo modernista e tudo. Se duvidam visitem o notável hotel de "charme" Britania, na Rodrigues Sampaio, onde proprietários atentos e historicamente rigorosos chegaram ao ponto de construir a porta principal, projectada originalmente por Cassiano Branco, mas nunca
executada.É preciso reaportuguesar Portugal!
Sem comentários:
Enviar um comentário