27/07/2010

Especialista em direito do trabalho considera a medida ilegal

EPUL propõe cortes salariais de legalidade duvidosa

27.07.2010 - 08:55 Por Inês Boaventura-Público.


A Empresa Pública de Urbanização de Lisboa (EPUL) está a propor aos trabalhadores que aceitem uma "redução voluntária do salário-base" e lhe entreguem, a título de "doação", o valor de que prescindirem mensalmente, mantendo-se os seus recibos de vencimento inalterados. O administrador responsável pelos recursos humanos diz que se trata de "um processo perfeitamente justificado em função das circunstâncias" mas peritos em direito do trabalho garantem que é ilegal.

Na proposta aprovada pela administração da EPUL diz-se que a redução aplicar-se-á a "todos os trabalhadores da empresa" com salários a partir de mil euros e estará em vigor "até Dezembro de 2011". No documento explicita-se que as reduções serão de dois, três ou cinco por cento em função do escalão de rendimento.

Esta medida será efectivada através da assinatura por cada um dos trabalhadores de uma declaração dizendo que adere "voluntária e conscientemente à solicitação da administração da empresa", "como forma de contribuição para o esforço de recuperação económico-financeira" da EPUL. O texto acrescentaque o recibo mensal "não sofrerá qualquer alteração", sendo o montante retido considerado "uma doação" à empresa.

O especialista em direito do trabalho Jorge Leite considera que esta é uma medida "ilegal", desde logo porque "os salários são irrenunciáveis a não ser em situações excepcionais" que não se verificam neste caso. "Aquilo que admito é que os trabalhadores possam aceitar o pagamento diferido, que a empresa quando melhorar lhes restitua o que é devido", acrescenta o jurista.

"Nem com o acordo do trabalhador a retribuição pode ser reduzida", diz também o jurista Luís Miguel Monteiro, sublinhando que a redução proposta pela EPUL é ilegal e como tal os trabalhadores abrangidos por esta medida poderão um dia exigir a devolução dos valores agora retidos. Quanto à suposta doação, este especialista afirma que esta é "uma solução bizarra" ou "um esquema para tentar ultrapassar a proibição de diminuir a retribuição".

Questionado sobre o facto de a empresa não ir alterar os recibos apesar de os trabalhadores receberem menos dinheiro nas suas contas bancárias, Luís Miguel Monteiro diz que "não há propriamente uma falsa declaração" por parte da EPUL, mas sim "uma forma hábil, no mau sentido, de tentar contornar uma regra legal". Até porque, diz o jurista, se se alterassem os recibos e as contribuições para a Segurança Social e IRS "a ilegalidade não só existiria como estaria a ser declarada".

Confrontado com estas posições, o administrador da EPUL com o pelouro dos recursos humanos defende que existem diferentes interpretações da legislação laboral e que como tal "os problemas da pretensa ilegalidade colocar-se-ão sempre". Contrariando os documentos oficiais da empresa, Luís Bento recusa referir-se a reduções salariais e prefere falar na "cativação de uma importância simbólica, que as pessoas doam". "Não vamos economizar dinheiro, vamos dar a oportunidade às pessoas de dizerem - estamos com o esforço de recuperar a empresa e queremos contribuir", diz, garantindo que a medida foi proposta por um grupo de trabalhadores e obteve a concordância da Câmara de Lisboa, única accionista da EPUL.

3 comentários:

Anónimo disse...

Só faltou dizer que na mesma informação aos funcionários onde se pedia que estes aceitassem voluntariamente a redução salarial, afirmava-se que caso esta não fosse aceite por um número elevado de funcionários, seguir-se-ia o despedimento colectivo.

Albina Martinho disse...

tive sempre muitas dúvidas sobre o interesse de uma empresa pública de habitação que ao longo do tempo praticamente só produz habitação para uma classe média e média alta, não vejo que serviço público presta a não ser proporcionar vários cargos de administração, quadros de pessoal paralelos à CM Lisboa e uma forma pouco social de gerir um vasto património de terrenos públicos.

Anónimo disse...

Público e acção social não são necessariamente sinónimos.