28/07/2010

Os utentes ainda estão longe de serem o centro do sistemaTransportes

Portugal tem duas autoridades metropolitanas de transportes (AMT), uma para Lisboa e outra para Porto. Apesar do nome destas autoridades, elas não mandam nada.

Com um presidente de saída após menos de um ano em funções, a de Lisboa está ainda a diagnosticar a realidade que é suposto gerir - entre outras coisas, a oferta e a procura de transportes, a integração entre serviços e a articulação de preços num tarifário e sistema de bilhetes compreensível pelos utilizadores. E a do Porto só agora começará a trabalhar, arrancando pelo diagnóstico.

O objectivo destas autoridades é transformar a oferta de transportes num serviço em rede que sirva, de facto, os interesses dos clientes e não os das transportadoras. Mas isso é algo que ainda vai demorar, até porque continua a haver muitas dúvidas. Como vão as AMT financiar a sua actividade? Como se articula de forma eficaz os desígnios colectivos e as vontades individuais - muitas vezes contraditórias - dos municípios das duas áreas metropolitanas, quando as AMT começarem a mexer na política de estacionamento, ou, numa escala mais alargada, nos grandes investimentos com implicações na mobilidade, como são por exemplo os planos de expansão dos metropolitanos de Lisboa e Porto?

Fernando Nunes da Silva, especialista em Transportes actualmente vereador em Lisboa, diz que já muito se perdeu com o atraso na entrada em funcionamento da AMT de Lisboa, que voltou a sair do papel, há pouco mais de um ano, depois de uma experiência em 2004 com uma comissão instaladora. Actualmente esta AMT tem um novo enquadramento legal, mas também vive submersa em muita indefinição, como se percebe na entrevista do ainda presidente da AMT de Lisboa, Carlos Correia, que está de saída ao fim de um ano de mandato (ver páginas seguintes).

Para o vereador Nunes da Silva, o maior pecado do sistema de transportes públicos da Área Metropolitana de Lisboa é a falta de racionalidade, que levou, por exemplo, ao "disparate completo" de fazer a rede do metro crescer para fora de Lisboa, quando havia alternativas mais adequadas e francamente mais baratas. O mesmo dizia este responsável em relação ao Porto, onde trabalhou como consultor no planeamento da primeira fase do metro, nos anos 90, altura em que criticou duramente a opção de levar o serviço até à Póvoa de Varzim, num canal de 30 quilómetros que pertencera à CP, contrariando a opinião dos autarcas.

A sua posição saiu vencida, como o próprio lembrou, num evento na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, e nunca mais trabalhou no projecto. O metro chega à Póvoa de Varzim num canal onde, para além do avultado investimento na electrificação e duplicação da via, a Metro do Porto gastou mais de cem milhões de euros na compra de tram-trains com os quais assegura um serviço que não é muito diferente daquele que era prestado pelos velhos comboios, cujos tempos de viagem, mau grado todo o investimento posterior, eram semelhantes aos actuais. Isto numa linha cuja procura continua abaixo das expectativas.

O que o Porto ganhou com o metro, mesmo sem autoridade de transportes, foi um sistema de bilhética e um tarifário partilhado entre o metro, os autocarros da STCP e alguns serviços suburbanos da CP. Mas mesmo aí falta uma autoridade que redefina o zonamento em que o cartão Andante - isto é o título de transporte - se baseia e que foi estabelecido pelas empresas e já criticado pelo Tribunal de Contas.

Como financiar os transportes?

Em Lisboa, aliás, a inexistência de um sistema integrado de tarifário, a duplicação de oferta entre diferentes empresas de transportes e a ausência de uma entidade que "trate devidamente os interfaces" são algumas das consequências da situação actual, sublinha Nunes da Silva. Nada de muito diferente do que passa no Norte, onde há autocarros a descer a Avenida da República em Gaia, apesar de ali haver uma linha de metro, e onde não existe, no caso do Porto, uma estação de partida/chegada de carreiras nacionais e internacionais de autocarros em interface com a rede de metropolitano.

Por situações como esta é que Álvaro Costa, professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto considera que, sem uma AMT, se está a perder capacidade de gestão e de racionalização quer da oferta, quer dos investimentos. E usa um dos casos da actualidade para mostrar a falta que faz uma autoridade em matéria de mobilidade: as portagens nas vias Scut (sem custo para o utilizador). Defensor das portagens, Costa critica o facto de a medida estar a ser tomada por razões meramente económicas que levaram, por exemplo, a que na lei ainda em vigor a Circular Externa do Grande Porto - que deveria aliviar o tráfego de pesados na Via de Cintura Interna - esteja entre as estradas a portajar, anulando, com isso parte do seu efeito descongestionador. E não compreende como se previu isenções para concelhos próximos do Porto, com alternativas em transporte público, penalizando quem vive mais longe, como em Viana do Castelo, e que tem um mau serviço de comboio. "É irracional", nota este académico e consultor.

Faltam, pois, medidas globais de mobilidade que favoreçam o transporte público. E falta encontrar formas de financiamento do sistema de transportes, um dos seus grandes problemas. Há uma proposta da "moda", como a define Álvaro Costa, que passaria por arrecadar dinheiro taxando os grandes projectos imobiliários que se valorizam pela proximidade da rede de transportes. Nunes da Silva considera que essa teria sido uma boa opção, sim, mas "há anos, quando esta era uma boa fonte de receita". Agora, diz José Manuel Viegas, catedrático do Instituto Superior Técnico, em Lisboa, "estamos em recessão e falta investimento", pelo que as mais-valias arrecadadas serão sempre uma gota no oceano.

Álvaro Costa é mais cáustico e nota que essa não poderia ser uma opção, porque nos arriscaríamos a "empurrar" os promotores para más localizações, mais baratas mas que encareceriam a despesa do Estado para lá levar infra-estruturas. Por isso, seria melhor financiar o transporte público por via das taxas e impostos associados à circulação rodoviária, ou de outras formas que tivessem em conta que o objectivo da mobilidade é "criar valor" .

Ter ou não dinheiro será vital para as AMT pagarem o serviço a contratar a empresas de transporte. Daí as dúvidas sobre a sua eficácia. Nunes da Silva nem acredita que a AMT-Lisboa consiga apresentar resultados concretos. Tudo o que há é "uma série de boas intenções", nota. Já José Manuel Viegas destaca que o "mau figurino jurídico" da autoridade "torna impossível fazer o que quer que seja". Não tem dúvidas de que se perdeu "tempo e credibilidade", a custa dos utentes, que continuarão longe de ser, como deviam, o centro desta actividade.
in Público


11 comentários:

Filipe Melo Sousa disse...

Eu não quero ser utente de coisa alguma. Quero viver numa sociedade de clientes, não numa sociedade de utentes. Ser utente é ser tratado como lixo por burocratas governamentais.

Xico205 disse...

Subscrevo. Com a agravante que ainda se tem que pagar para sustentar organismos inefecientes que apenas têm como propósito arranjar empregos a militantes de certos partidos e amigos e organizar concursos de aquisição de material que não se necessita ou que não é o mais adequado apenas para pagar favores ou favorecer a empresa do colega tal.

Privatizações já!

Gostaria de saber se a Autoridade Metropolitana de Transportes seria mais eficiente que o Instituto de Mobilidade dos Transportes Terrestres a inspecionar se as empresas cumprem o serviço a que estão obrigadas ao terem acordado com as concessões que se disponibilizaram a fazer...

Certamente não, vai ser mais do mesmo com agravante para o passageiro.

Xico205 disse...

...e com agravante para os cofres publicos!

Anónimo disse...

Meus amigos,

se as empresas de tranportes fossem privatizadas ou não fossem subsidiadas pelo Estado teríamos bilhetes ao custo de Londres, ou Munique e aí, vocês os dois teriam desculpa para continuarem a trazer o carro para a cidade! Eu também estou farto de pagar pelas consequências de vocês circularem com os vossos carros na cidade. Tenho carro mas ando muito a pé e de transporte não porque não possa pagar a gasolina mas porque é a única coisa responsável a fazer. Eu não preciso do carro para provar à sociedade que sou alguma coisa. Vocês?

Filipe Melo Sousa disse...

os "vocês que circulam de carro" são apenas as pessoas que trabalham, e pagam impostos para sustentar as infraestruturas

Anónimo disse...

Que total desonestidade mental!
Então os milhares de pessoas que todas as manhãs e todas as tardes usam os transportes públicos para irem para os seus empregos e voltarem às suas casas não são cidadãos trabalhadores e pagadores de impostos! Está, por acaso, a dizer-nos que quem anda de carro está a suportar o orçamento de Estado e é um acto de patriotismo andar de carro?
Tenha paciência e vergonha! É preciso ter lata!

Xico205 disse...

Se a actividade de exploração duma rede de transportes publicos tem custos, então o utilizador que os pague.

Quem mais espanta os clientes dos transportes publicos são as próprias operadoras, que alteram horários e carreiras sem avisar os clientes, não põe informação nas paragens, cortam carreiras radicalmente, ou simplesmente não fazem algumas circulações previstas no horário simplesmente porque não lhes apetece.
As empresas de transportes publicos são peritas em dar tiros nos prórpios pés, quem tem obrigações e horários a cumprir não pode estar à espera dum meio de transporte incerto. Aproveito e aponto o dedo concretamente à Transportes Sul do Tejo, Vimeca, Lisboa Transportes e Scotturb.

Se o IMTT fosse eficiente actuava e tirava-lhes as concessões caso se justificasse, mas como é uma empresa do Estado, já se sabe que só serve para tachos.

Xico205 disse...

Anónimo:
Tens carro e andas de transportes publicos? Olha tambem eu. Por isso tudo o que me chamaste, chamo eu a ti.

Bem que podes passar os proximos anos em transportes publicos que podes ter a certeza que não passaste lá mais horas que eu. Por isso não fales do que não sabes. Duvido que já tenhas comprado passe duma empresa que não utilizas nos teus movimentos pendulares simplesmente pelo prazer de viajar de autocarro, pois eu já o fiz.

São opções.

Xico205 disse...

Além disso tendo em conta QUEM frequenta certas e determinadas carreiras, não são nada apeteciveis a pessoas de bem.

Eu não estou com muita vontade de voltar a andar por exemplo na 202 da Carris, depois de la ter tido problemas com um bando de 40 pretos, e tenho-los visto pelo menos aos fins de semana entre o Bº Alto e a Damaia.

Maxwell disse...

Nunes da Silva ou anda de carro ou nunca ando de transportes na AML. É imperativo que a AMT tenha o controlo de onde e como devem operar os serviços de transportes das areas metropolitanas. Não podemos mais tolerar a falta de organização e serviço por vontade das operadoras de transportes.
Eu que não gosto dos exemplos do esntrangeiro reconheço que NYC passou por isto nos anos 70 bem como Paris. Já está na altura de Lisboa e Porto adoptarem bons exemplos de organização.

Xico205 disse...

Subscrevo-te Maxwell.