05/02/2010

Novo Museu dos Coches / enviado memorando à 13ª Comissão da A.R.

Exmo. Senhor Presidente da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura da AR,Dr. Luís Marques Guedes,
Exmos. Senhores Deputados,


Sabendo da iminente audição dessa Comissão à Senhora Ministra da Cultura, vimos pelo presente alertar Vossas Excelências para algunas factos que se nos afiguram incompreensíveis, quando não graves, se for avante o projecto do novo Museu Nacional dos Coches:

1. O valor artístico do espaço do actual Museu Nacional dos Coches (antigo Picadeiro Real, que na realidade nunca o foi), a raridade da sua colecção de coches e afins, bem como o seu sistema de exposição, correlacionando-os com imagens e pinturas de época, garantiram ao nosso MNC uma reputação europeia sem precedentes na história dos museus portugueses e na própria evolução da museologia (vide o projecto recente de São Petersburgo instalando os seus coches em antigo picadeiro, projecto quase decalcado do nosso MNC, que agora se pretende "modernizar").

2. O projecto do novo Museu dos Coches pretende esvaziar o actual edifício e transferir a colecção ali exposta para um novo espaço a construir nas antigas instalações das Oficinas Gerais de Material de Engenharia, antigas cocheiras reais e actualmente semi-demolidas por ordem do Governo; passando o actual museu a ser espaço de exibições de índole equestre, o que, a ser ali desenolvido será:

- Um grave atentado a todo o edifício do actual museu, facto comprovado pelos vários pareceres especializados, feitos na década de 90 e nunca diulgados ao público de, entre outros, Instituto dos Bens Culturais de Itália, Instituto José de Figueiredo, LNEC e do próprio Museu Nacional dos Coches;

- Redundante, uma vez que a própria Escola de Alter tem como certa e iminente a sua instalação, com projecto da autoria do Arq. Arsénio Cordeiro, no antigo quartel de cavalaria poucos metros acima do Palácio de Belém, na Calçada da Ajuda, onde irá desenvolver exactamente os mesmos espectáculos que se afirma serem o motivo principal da saída dos coches do actual Museu.

3. O projecto do novo Museu Nacional dos Coches tem um custo estimado (valores de meados de 2009) de 31,5 milhões de euros provenientes das receitas do Casino de Lisboa, o que se nos afigura ser um gravíssimo desperdício de dinheiros agora públicos, dado o estado lamentável dos Monumentos Nacionais com sede em Lisboa (ex. Sé de Lisboa, Igreja de S. Vicente de Fora) e dos Museus Nacionais a precisarem com urgência de reestruturação e recuperação a todos os níveis (ex. Museu Nacional de Arte Antiga, Museu da Música, Museu do Chiado).

4. O projecto do novo Museu Nacional dos Coches constitui um verdadeiro 'terramoto' de efeito ricochete na museologia nacional, pois implicará a obrigação de deslocar os serviços do antigo IPA (actual IGESPAR) da arqueologia subaquática, do depósito de arqueologia industrial, para a Cordoaria Nacional e, por esta via, uma eventual transferência do Museu Nacional de Arqueologia para a mesma Cordoaria, que é Monumento Nacional desde 1996 (DL 2/96, DR 56, de 06-03-1996) e que só poderá ser intervencionado depois da aprovação de um projecto de arquitectura, de conservação e restauro que garanta a salvaguarda dos seus valores arquitectónicos e técnicos integrados, não permitindo que se faça uma mera adaptação; projecto esse que, ao que sabemos, não existe.

5. O projecto do novo Museu Nacional dos Coches, propriamente dito, levanta-nos as maiores objecções e protestos, não por se tratar do Arq. Paulo Mendes da Rocha mas pela forma como foi escolhido o autor, sem concurso; pelo previsível impacto da própria obra depois de concluída, uma vez que os dois corpos projectados colidirão claramente com a ZEP do Palácio de Belém; e, em última instância, com os próprios coches, porque vão perder o seu cenário histórico, vital para a experiência global da visita e interpretação da colecção.

Apelamos a Vossas Excelências para terem estas preocupações em consideração quando este assunto for discutido.

Na expectativa, subscrevemo-nos com os melhores cumprimentos


Paulo Ferrero, Fernando Jorge, Virgílio Marques, Pedro Formozinho Sanchez, Carlos Matos, Beatriz Empis, Luís Serpa, José Morais Arnaud, Jorge Santos Silva, Bernardo Ferreira de Carvalho e Nuno Caiado

10 comentários:

Anónimo disse...

Já, por mero acaso, repararam no aspecto exterior do MNAA para quem passa na R. das Janelas Verdes?

É uma oprobriosa vergonha.

Se eu fosse turista em Lisboa e ao aproximar-me do Museu deparasse com aquilo, voltava imediatamente para trás.

Anónimo disse...

Já não passo por ai há algum tempo. O que se passa com o exterior do MNAA? Sempre me pareceu um dos melhores exemplos por Lisboa.

Ai - a - Tola disse...

E não é só o Museu de Arte Antiga que está nesse estado. O Palácio da Ajuda poderia ser concluído. Esta é uma obra de especial importância porque é a casa mais representativa em Portugal, é um museu que necessita de verbas, é nesta casa que se recebem em jantares oficiais altos dignatários estrangeiros numa sala de jantar a precisar de restauro, é aqui que tem sede o Ministério da Cultura - surpreende-me que a Sr.ª Ministra não se incomode com o que vê todos os dias ao entrar no seu local de trabalho e em receber visitas de trabalho num sítio que parece uma ruína. Quão importante pode ser a obra, profundamente desenquadrada, do novo Museu dos Coches face à esmagadora necessidade de verbas na cultura para obras inadiáveis? Estão na posse de todas as capacidades mentais quem vem defender esta obra? O que está por detrás desta emergência em mudar este museu? É por ser um Museu de génese monárquica? Responda quem souber...

«Eu ♥ Lisboa» disse...

E os bairros históricos como Alfama e Mouraria, em Lisboa (peço desculpa por omitir outros pontos do país, que faço por puro desconhecimento real)?´Sinto vergonha quando por lá passo em trabalho, com grupos, tentando explicar às pessoas que 'aquilo' é importante, não obstante o estado de degradação e abandono em que se encontra.
Sendo responsabilidade da autarquia, não o é menos de um Ministério que é da Cultura, envolvendo o conceito todo o património urbano.

HOMOSAPIENS disse...

Já existe um projecto para a recuperação do Palácio Nacional da Ajuda, a zona de intervenção compreende uma área de cerca de 100 ha que abrange parte significativa de Belém e da Ajuda, na qual se encontram localizados equipamentos culturais, edifícios e espaços verdes de referência, seja pela sua relevância histórica e cultural, seja pela sua qualidade arquitectónica e ambiental, designadamente: a Torre de Belém, o Mosteiro dos Jerónimos, o Palácio da Ajuda, a Igreja da Memória, o Museu Nacional dos Coches, o Centro Cultural de Belém, o Museu de Marinha, o Planetário Calouste Gulbenkian, o Jardim Tropical, o Jardim Botânico, o Jardim de Belém, o Padrão dos Descobrimentos, o Museu da Presidência da República, o Museu da Electricidade e, naturalmente, todo o espaço público envolvente até ao rio.

O Palácio Nacional da Ajuda será objecto de obras com vista ao remate da sua fachada poente e reabilitação do Jardim das Damas. Em complementaridade, o projecto de espaço público para esta área de intervenção deverá seguir uma estratégia de requalificação da envolvente do Palácio Nacional da Ajuda, bem como da Calçada da Ajuda, fomentando a articulação entre a cota baixa e a cota alta na zona de Ajuda Belém. Desta forma, criam-se novos caminhos e percursos que facilitem a interligação dos equipamentos e a apropriação do espaço pelos visitantes.
O projecto de recuperação do Palácio, penso eu, será feito pelo arquitecto Gonçalo Byrne( o mesmo arquitecto responsável pelo projecto de requalificação do Museu Machado de Castro em Coimbra).

Cumpts.

Anónimo disse...

Gosto imenso do museu actual. Fico cheia de pontos de interrogação quando penso que sala de tamanha beleza vai ser ocupada por picadeiro.
Poderia ser simplesmente restaurado, pinturas refeitas, etc.

Receio que hoje em dia se dê valor a um novo projecto pela quantidade de dinheiro que com ele se gasta. Receio que os arquitectos actuais se desinteressem do público em geral e trabalhem com base em criterios (por exemplo o de ligar o moderno ao antigo) que só eles entendem.
Receio que essa nova moda de colocar religião, fé, objectos da nossa história, etc. emprisonados em caixotes de betão dê lugar a edifícios frios e sem alma.
Veja-se a nova igreja de Fátima que tão pouca gente inspira. Já não se fala de beleza, somente de paredes brancas, espaços imensos mas nus, repetidos de país em país. Onde está a emoção dessas construções? Concordo que se reabilite zonas degradadas, mas penso que não se pode desprezar a beleza com raízes na cultura ou na envolvente da região ou país. Já tivemos as contruções dos anos 70/80 que tanto descaracterizaram as nossas cidades.

Ai - a - Tola disse...

Caro HomoSapiens,

como indica o seu "nome" saberá, concerteza que, de projectos está o inferno cheio.
Quando me fala em recuperação do Palácio da Ajuda está a falar-me daquele lindo projecto cujo boneco foi já divulgado há um bom par de anos onde o remate do palácio era feito por corpos que, mantendo a volumetria relativa do projecto inicial, tinha uns lindos acabamentos de betão e vidro? Do Gonçalo Byrne, o mesmo das torres de Cascais! Desculpe mas isso não é rematar! É a forma atabalhoada e mandriona de um Estado que não se preocupa com o seu património e toma a medida mais fácil e barata - quando há tanto despesismo, como o novo Museu dos Coches.
Para que fique registado o Jardim do Ultramar está em mísero estado - como está a tapada das Necessidades - de forma tal que são algumas pessoas da Presidência da República que alimentam os pavões e os patos que normalmente estão esfaimados.
Deus nos guarde dos HomoPoliticus que nos governam.

HOMOSAPIENS disse...

Caro Ai-a-Tola,

É verdade que no nosso país existe inumeros projectos dentro de gavetas a espera do aval dos políticos. Eu sei que demorará muitos anos antes de ver a fachada poente do Palácio Nacional da Ajuda finalizada, o meu comentário era só para demonstrar que existe um plano para o local a espera de ser realizado.

Em relação ao projecto em si, temos de ter na memória que seria muito mais demoroso, difícil e com custos muito mais elevados se o projecto inicial fosse finalizado. Para memória o que nós vemos do Palácio nos nossos dias é só 1/4 do projecto. Se fosse para construir os 3/4 restantes com o mesmo tipo de arquitectura imagine o tempo que demoraria e sem falar dos custos. O projecto do Gonçalo Byrne é bom para uma zona a muito tempo sinistrada pela imbecilidade humana. Ao que toca a arquitectura desse projecto, é claro que não é igual, mas tenta ser fiel ao projecto inicial. Tal como aconteceu com o parlamento alemão que foi renovado e reconstruído com planos do arquitecto inglês Norman Foster.

Cumpts.

Ai - a - Tola disse...

Caro HomoSapiens,

Está a confundir as coisas. O projecto que deve ser finalizado é o que resultou da alteração do projecto inicial o que fez a fachada principal deslocar-se para oriente.
Que interessante que me fala do Parlamento Alemão - o Reichstag - porque nessa mesma cidade a população e o Estado uniram-se num projecto que vai reconstruir toda a fachada original do palácio real - agora já nada existe do antigo palácio - que tem aproximadamente as dimensões do projecto inicial da Ajuda, e algumas salas interiores, deixando para as gerações vindoras a decisão de reconstruir outras salas.
Aqui decide-se pelo betão e pelo vidro! Continua a achar que é uma boa solução? Continua a sustentar que o Estado está a fazer todo o possível para fazer o que está certo sobre este tema?

HOMOSAPIENS disse...

Ai-a-Tola,

Não confundi, e o meu comentário é em relação ao nosso tempo, isso de reconstruir é muito bonito, mas temos de ver os custos, a mão de obra e a demora dessa utopia.

Dei o exemplo do parlamento alemão entre tantos outros, porque este demonstra que tudo o que é moderno pode integrar-se perfeitamente no antigo.

O exemplo que você deu do palácio real de Berlim é muito bonito mas naõ fidedigno a realidade, pois aqui vou demonstrar porquê:

O arquitecto responsavel pela obra do palácio é o italiano Franco Stella, este mesmo para satisfazer as êxigencias do parlamento alemão, de que três das quatro fachadas devem ser reconstruídas, e inclui um pátio coberto de vidro por trás da entrada principal. O que demonstra que mesmo aqui não se vai construir tudo como no projecto inicial. Este mesmo projecto teve muitas críticas, uma delas pelo arquitecto britânico David Chipperfield, que disse que teria preferido "um edifício moderno, nas proporções de idade". Este mesmo palácio não será estritamente falando um palácio como era antigamente mas mais um centro (cultural) que abrigará antiguidades de Berlim e da arte, as peças da Universidade Humboldt e da biblioteca da cidade, bem como lojas e restaurantes.

Sem falar dos custos:

O parlamento alemão concordou em 2007 para fornecer 440 milhões de euros ($ 642 milhões) de financiamento do governo para a reconstrução do palácio. O estado de Berlim está fornecendo 32 milhões de euros e os restantes 80 milhões de euros é para vir de doações públicas.

Isto para demonstrar que Portugal não tem o poderio económico da Alemanha. Emesmo se o tivesse( LOL) o povo iria claramente indignar-se pelos custos faraônicos da obra.


Cumpts.