02/07/2007

Helena Roseta: Sem aeroporto Lisboa afunda-se ainda mais

In Correio da Manhã (1/7/2007)
D.R.

«Correio da Manhã – Se for eleita abandona a Ordem dos Arquitectos?

Helena Roseta – Eleita sou sempre. Não sei em que lugar. Sim, é incompatível com o nosso estatuto. Quando tomar posse terei de sair. De qualquer forma o mandato termino em Outubro e expliquei a situação na Assembleia Geral da Ordem antes de me candidatar. E neste momento estou de férias.

- Tem pena de sair da Ordem?

- O mandato estava a terminar. E como fiz dois e há limitação de mandatos o meu trabalho estava no fim.

- A Câmara de Lisboa é um desafio apaixonante?

- É um desafio muito importante e muito apaixonante para mim. Há muitos anos que eu estava a tentar fazer algum trabalho na cidade de Lisboa. Nunca fui convidada para essa função no Partido Socialista, puseram-me no último lugar da lista para a Assembleia Municipal, mas enfim...não tenho qualquer problema com isso. Achei que agora era altura de avançar.

- Porque é que o PS nunca a quis como candidata?

- Não faço ideia, é uma questão que me ultrapassa. Mas esse problema está resolvido. Convidaram-me para encabeçar listas a muitas câmaras mas eu sempre disse que não, que a minha cidade é Lisboa. Fiz Cascais numa altura da minha vida, gostei de fazer, foi uma experiência importante, mas a minha cidade é Lisboa.

- Acha possível ser eleita presidente da Câmara de Lisboa?

- Acho que sim. Se não achasse não estaria aqui. (...)

- Também dizem que é a mais criativa.

- Agora dizem-me que está a ser a mais criativa. Dá-me imensa vontade de rir. Isto prova que afinal de contas isto não é nenhum bicho de sete cabeças, é uma coisa normal que diz respeito a toda a gente e que se pode fazer melhor. Por isso estou muito confiante nos resultados. E sinto isso nas ruas. As pessoas vêm ter comigo. E havendo essa disponibilidade dos eleitores para mudar, tudo é possível. (...)

- É uma pessoa muito emocional. Vai ser capaz de levar essa emoção para a Câmara, que é uma estrutura pesada e burocrática?

- Espero que sim. Emoção e capacidade de mobilização.

- Mas a Câmara é uma estrutura fria.

- Acho que mais do que ser fria está muito dispersa, muito dividida, tem os serviços muito espalhados pela cidade, não há o sentido de conjunto, não há uma leitura de conjunto do trabalho. Perguntei à presidente da Comissão Administrativa se costumavam reunir com os catorze directores municipais e disseram-se que não. Cada vereador reúne com os seus.

- Vai acabar com a gordura política que separa os vereadores dos funcionários? Vai reduzir ao mínimo os assessores?

- É uma zona cinzenta formada por pessoas que não foram eleitas. As três grandes áreas em que vai ser preciso promover a transparência na Câmara de Lisboa é na gestão financeira, nomeadamente no universo das empresas municipais, na questão urbanística e na gestão do pessoal. Se conseguirmos isto mudamos radicalmente a Câmara. Os assessores não chefiam a Câmara. Quem chefia a Câmara são os directores municipais em conjunto com o executivo, que é o conselho de administração. (...)

- A questão financeira não é a mais grave de Lisboa, pois não?

- Vamos lá ver, É uma questão grave para a Câmara. Paralisa-a e a Câmara precisa de estar a trabalhar para a cidade. Para o lisboeta, e eu tenho andado na rua a falar com as pessoas, não é esse o problema. O que as pessoas querem é ver os seus problemas resolvidos no seu bairro, na sua rua.

- Lisboa está suja, esburacada, os passeios estão estragados, o trânsito é caótico e ninguém resolve isto. Concorda?

- É verdade. Mas em termos de sujidade é muito injusto, porque a Câmara tem uma quantidade enorme de pessoas nesses serviços, gente competente, formada nos anos oitenta e noventa. Mas devido à crise financeira o sector foi perdendo recursos e não tem condições para fazer o trabalho bem feito. Numa cidade é muito frequente gerarem-se paradoxos ou círculos viciosos. E para se quebrarem estes círculos não se pode fazer mais do mesmo.

- Paradoxos, círculos viciosos? Tais como?

- Vou dar-lhe um exemplo. É o mais evidente para toda a gente. É o paradoxo da acessibilidade. Gastamos cada vez mais dinheiro para perder cada vez mais tempo em engarrafamentos cada vez maiores.

- É verdade

- Quanto mais se continuar a fazer a mesma coisa, isto é, mais túneis para trazer mais carros vai ser cada vez pior. É preciso inverter radicalmente, cortar o paradoxo. É por isso que nós defendemos a prioridade ao peão, muito menos facilidades ao automóvel, um investimento forte no transporte público.

- Os transportes públicos são um velho problema.

- Deixe-me dar-lhe outro exemplo. O professor António Câmara da YDreams fez um protocolo com a Câmara Municipal de Lisboa, ainda no tempo do doutor Santana Lopes, para termos a informação em tempo real do estado do trânsito em qualquer artéria da cidade. E isso seria acessível a qualquer cidadão via telemóvel. Um protocolo relativamente barato. E isso não se fez.

- Porquê?

- Acho que é a ignorância dos políticos, basicamente é a ignorância.(...)
- Já agora do Porto de Lisboa.

- No Porto de Lisboa proponho mais do que isso. Não é a Câmara estar na administração do Porto de Lisboa é o Porto de Lisboa estar na administração do território juntamente com a Câmara. Ou seja, a administração do território passar para a Câmara.

- Esse é um problema difícil?

- É, mas tem de se resolver. O Porto de Lisboa tem uma vocação portuária muito importante para a cidade, mas não tem de ter vocação imobiliária. Isso não é aceitável. (...)

- Propõe que o pelouro do Urbanismo, sempre sob suspeita, seja gerido em conjunto. Acha possível?

- Proponho duas coisas. Que o pelouro seja partilhado por todas as forças políticas – isto não é uma utopia, já o fiz em Cascais, que é um Câmara sujeita a enormes pressões económicas, e funcionou – e isso não tem custos.

- E a outra?

- A outra medida é muito importante, é uma medida tecnológica – e também já falei com o professor António Câmara e é viável – que é criar um sistema de informação geográfica que permita cruzar os dados do cadastro, da gestão urbanística e do valor de mercado. E esta informação é utilíssima para se perceber quem é quem no negócio e quem é que ganhou no negócio. (...)

- As suas propostas, como estas que referiu, têm merecido um enorme silêncio das outras candidaturas. Porquê?

- Eu acho que as desconhecem. Nunca se preocuparam com isso. Por exemplo sobre a questão do cadastro, que é uma questão chave. Falei com muita gente e todos me disseram que o cadastro de Lisboa está completamente atrasado. Como é que é possível no século XXI não ter o cadastro integralmente informatizado? São questões práticas, é o baba da gestão urbanística, que não estão feitas. (...)

- Uma das suas preocupações é Lisboa não ter há muitos anos um concurso de arquitectura.

- Não há concursos de arquitectura. Defendo a distribuição de trabalhos por concurso e fiquei muito chocada com a quantidade de trabalhos e atribuição de grandes projectos para a frente ribeirinha a grandes arquitectos. São pessoas premiadas, ponho a mão no fogo por todos eles, mas era preferível que o trabalho tivesse sido atribuído por concurso. Era uma excelente oportunidade para os jovens arquitectos, para novas ideias. (...)

- Acha que as Sociedades de Reabilitação Urbana são úteis para a cidade?

- Tive muitas dúvidas sobre o modelo das SRU. São parcerias público-privadas com capital inicial inteiramente público. Já tive dúvidas no caso da Parque Expo e do CCB. Acho que é público ou é privado. Acho que foram inventadas para pôr a funcionar sistemas que estavam paralisados no público. Preferia que tivessem investido em pô-los a funcionar.

- Há a polémica dos licenciamentos.

- Esse é um ponto muito crítico. Não acredito nisso. Acho que o poder de licenciamento é da Câmara. Disse isso no Parlamento quando era deputada. O poder de licenciamento tem de obedecer às regras democráticas. São órgãos eleitos que se pronunciam e há debate público obrigatório em certos projectos. Andamos no fundo a criar caminhos paralelos porque o caminho não funciona.

- O que é que acha do projecto da Baixa-Chiado?

- É um esforço importante para se ter uma visão daquela zona e deste ponto de vista tem coisas muito interessantes, nomeadamente a ideia de ser um centro comercial a céu aberto. Agora, acho que o modelo financeiro que foi concebido pelo comissariado é inexequível. Prevê um investimento de mil milhões de euros, dos quais 200 milhões públicos, uma grande infra-estrutura viária que já ninguém quer fazer...

- Ninguém?

- É muito curioso. Foi preciso eu ter começado a dizer que aquilo não se podia fazer para toda a gente vir dizer o mesmo. E tem outro problema. A proposta de reabilitação de todos os prédios é muito profunda e vai multiplicar por quatro o valor do imobiliário, o que significa que os destinatários daqueles prédios, caso o plano fosse para a frente, seriam sempre pessoas com grandes capacidades financeiras. E eu acho isso um grande erro para a cidade.

- As pessoas fogem da cidade exactamente pelo preço elevado das casas.

- Precisamos de pôr na Baixa-Chiado a classe média. É o que a cidade está a precisar neste momento. O que dá vida ao comércio local.

- E os quatro mil fogos da Câmara que estão devolutos?

- Esses estão espalhados pela cidade. E a doutora Maria José Nogueira Pinto fez um excelente trabalho por ter feito o cadastro desses fogos. Mas houve práticas que eu critico nesse pelouro. Uma é que é muito importante ouvir as populações desses bairros sociais. Eles são os primeiros a saber onde estão os fogos devolutos e ninguém os ouve, não são chamados. A segunda é que a atribuição dos fogos tem de ser feita à frente de toda a gente. Com critérios claros. Com a participação activa das comissões de moradores. Têm de ter uma voz activa na Câmara.
(...)
- O que é que propõe fazer nos dois recentes buracos de Lisboa, o Parque Mayer e a antiga Feira Popular?

- Proponho uma apuncultura imediata para o Parque Mayer. Independentemente do imbróglio e do que os tribunais vão decidir há uma coisa que é certa e segura: o teatro Capitólio está classificado e não pode cair. E está a cair. Por isso proponho que utilizem já o dinheiro das contrapartidas do Casino para o recuperar de acordo com o projecto original, com o apoio dos técnicos da Câmara. Depois logo se vê o que se vai fazer à volta. É preciso salvar o Capitólio enquanto há. Se ficarmos à espera de uma sentença dos tribunais já o Capitólio caiu.

- E em Entrecampos?

- Aí é diferente. Temos um terreno vazio e há que definir o que se irá fazer aí. Ou há um plano ou um concurso de ideias.

- Tem a ver com toda a definição da Avenida da República.

- O eixo Avenida da Liberdade, Fontes Pereira de Melo e Avenida da República está completamente definido. As minhas prioridades em termos urbanísticos não são esse eixo. O que eu acho que é preciso é classificar o espaço público, melhorar os passeios, arranjar alguns edifícios, mas não fazer grandes modificações. Não concordo nada que isso seja uma prioridade, ao contrário do que se diz no programa de António Costa.

- Quais são as suas?

- A nossa prioridade urbanística é investir em sítios que estão perfeitamente caóticos. Dou-lhe já um exemplo: Sete Rios. Totalmente caótico. As pessoas perdem-se, não se consegue atravessar, não se consegue perceber. Não se consegue ler. São sítios como este que precisam de intervenção.

- Qualidade de vida?

- Sim, qualidade de vida. As pessoas gostarem do sítio, de andar lá. No caso de Sete Rios, ainda por cima, há lá uma jóia que é o Jardim Zoológico.

- O aeroporto da Portela. Já tem uma posição definida?

- Tive desde o princípio. A primeira coisa que disse nesta campanha foi o seguinte: numa cidade que está em declínio não lhe tirem o aeroporto. Não façam isso, porque isso afunda a cidade ainda mais. É o que pode acontecer a Lisboa. Afundar-se ainda mais.

- Conhece algum estudo que aponte para o esgotamento da Portela?

- Em alguns estudos falava-se no esgotamento da Portela com base em previsões de tráfego que têm de se confirmar. A Portela tornou-se numa questão entre Governo e oposição, é um assunto incómodo para o candidato António Costa – o Governo já adiou seis meses para não ser prejudicado nas eleições -, mas a questão mantém-se. Penso que a Portela vai ter de continuar, pelo menos durante mais vinte anos, eventualmente complementada com uma nova estrutura, Montijo ou outra muito próxima da cidade de Lisboa. (...)


PERFIL

Helena Roseta nasceu em 1947, em Lisboa. Casada, com três filhas e sete netos, arquitecta, foi secretária-geral do Sindicato dos Arquitectos antes do 25 de Abril e pertenceu à direcção da Associação dos Arquitectos Portugueses. Presa pela PIDE em 1973, aderiu ao PPD em 1974, foi deputada constituinte e eleita para o Parlamento pelo PPD/PSD até 1982, altura em que renunciou ao mandato. Vereadora em Lisboa de 1976 a 1978 e presidente da Câmara de Cascais de 1982 a 1985, regressou ao Parlamento nas listas do PS em 1995, partido que abandonou em Maio deste ano para se candidatar como independente às eleições de Lisboa.

UMA MULHER QUE ADORA CAMPANHAS

A campanha para as eleições intercalares de Lisboa começou nos primeiros dias de Maio e só acaba no dia 13. Mais de dois meses. Um período anormalmente longo para candidatos, assessores, jornalistas e talvez mesmo para os eleitores da cidade, bombardeados todos os dias com propostas, incidentes, polémicas e outras coisas mais. Helena Roseta é uma excepção. Adora andar na rua, falar com as pessoas, passar noites na recolha do lixo e conhecer todos os pormenores de uma cidade que adora e vive com paixão. Instalada nas Portas de Santo Antão, paredes-meias com o Coliseu e a Sociedade de Geografia, a candidata independente conhece todos os dias o que é viver e trabalhar num bairro tipicamente alfacinha. As pessoas falam-lhe com calor, os comerciantes emprestam-lhe cadeiras e os arrumadores guardam-lhe lugar para o automóvel. Isto sim, é Lisboa
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1 comentário:

Anónimo disse...

vá lá miúdos do cidadania apoiem a vossa candidata