Lisboa tem 12 mil funcionários, três centenas de departamentos e divisões e 53 freguesias, constituindo uma estrutura autárquica praticamente ingovernável.
A câmara tem dez trabalhadores por cada mil habitantes, ao passo que em Madrid e Barcelona, esse ratio é de cerca de metade, e mesmo nos municípios limitrofes, como Oeiras, não chega a oito trabalhadores por mil habitantes, enquanto que no Porto há 6,86 funcionários por cada mil habitantes. O problema é tanto mais complexo quanto esta quantidade espantosa de funcionários de Lisboa não é sinónimo de serviços bem prestados.
Não se pode sequer trazer à discussão a pressão que Lisboa sofre dos municípios limitrofes, que até têm mais população do que lisboa, uma vez que os 2,5 milhões da área metropolitana são inferiores aos 5 milhões de Madrid ou quase 10 milhões de Londres, Paris ou Moscovo, e estas funcionam bastante melhor.
No entanto, mesmo considerando que Lisboa sofre uma maior pressão, dada a inexistência de uma verdadeira rede de transportes, gestão autista de município a município e ausência de descentralição de centros económicos e culturais pela área metropolitana, nada justifica a enormidade da máquina camarária.
A cidade está completamente retalhada por tantas freguesias que são um verdadeiro anacronismo administrativo, uma divisão "completamente obsoleta" de territórios minúsculos e sem poderes para fazer coisa alguma, legado de uma gestão vinda do antigo regime e desenquadrada da gestão que se pretende para as cidades-região como são Lisboa e outras cidades europeias.
A mudança passa pela criação de distritos urbanos, no sentido de ajudar a administração da cidade a sair do autismo e a acompanhar no terreno os novos problemas e dinâmicas da vida urbana, em praticamente todas as áreas de actuação.
Muito prometida nas campanhas eleitorais, esta reorganização nunca se efectuou, até por causa das alterações que geraria nos equilíbrios partidários.
Por exemplo, Paris tem 20 Distritos Urbanos/Freguesias; Madrid - 21; Roma - 20; Barcelona -10; Lyon -10, sendo que a relação entre estas DU/Freg. e o número de habitantes não tem paralelo no resto da Europa.
Com o objectivo de combater a descoordenação, burocracia e falta de clareza dos procedimentos camarários, racionalizando a sua gestão e aproximando-a das pessoas, os Distritos Urbanos, assentes no agrupamento voluntário de freguesias, poderiam ser o centro de transferência de competências de gestão camarária (por exemplo, pequenos licenciamentos, serviços de proximidade, informação ao cidadão, apoio técnico, em que cada um dos vereadores seria o rosto do seu distrito urbano, combinando as competências sectoriais com uma competência territorial.
Como é possível que a Baixa-Chiado, o Castelo, o Eixo-Central, a frente Tejo, a zona ocidental sejam retalhadas por dezenas de freguesias e ainda pela gestão danosa e autista do Porto de Lisboa?
A cidade deveria ser dividida pelas zonas de interesse comum e de gestão integrada. A título de exemplo, zonas históricas, zonas residenciais periféricas, zona ribeirinha, zona financeira, entre outras.
De que serve definir zonas de intervenção – Frente Tejo, Sociedades de Reabilitação, Planos de Pormenor, se os mesmos abrangem várias freguesias e várias entidades e se os próprios bairros consolidados estão divididos, dificultando o sucesso daquelas, esbarrando em interesses partidários?
A divisão da cidade em distritos urbanos dar-lhe-ia a escala necessária para governar Lisboa na perspectiva de centro de uma região urbana de quase 3 milhões de pessoas, onde as várias cidades funcionam em estreita interdependência., permitindo que a gestão de topo da câmara se ocupe das questões municipais num todo, supra municipais, metropolitanas e internacionais.
Hoje em dia, pensar a gestão de Lisboa, considerando-a apenas restrita aos limites concelhios e geri-la com base em freguesias, cuja amplitude populacional vai dos 500 eleitores aos 50 mil, é apenas explicável com base em má-fé ou incapacidade de raciocínio.
10 comentários:
Um post revolucionário, caro Hugo, e, como tal, avançado para os tempos que correm. É o que se chama: visão larga. E isso é coisa que não há em que devia haver. No entanto, pode ser que água mole em ...
Abraço
A questão dos distritos urbanos, foi lançada por MM Carrilho há uns anos, e em Fevereiro voltou-se a falar disso no seio do PS (e disso demos conta em(http://cidadanialx.blogspot.com/2007/02/ser-desta.html). Perguntávamos se seria dessa que os DU iriam para a frente, mas... nesta campanha o assunto (parece-me) andou esquecido (porque as freguesias não estavam em causa).
Quanto ao número de funcionários municipais, é verdade que o mesmo é elevadíssimo (superior ao de funcionários da Comissão Europeia, por exemplo...), mas - como disse o Daniel Oliveira n'O Arrastão - a verdade é que Lisboa e os seus serviços têm de suportar durante 5 dias da semana uma população muito superior à residente e - por conseguinte - estatisticamente relevante.
Já agora, os estudos da CML costumam dividir a cidade em áreas supra freguesias. Será que se poderia utilizar esses padrões como ponto de partida?
As 53 freguesias de Lisboa, são uma realidade que urge corrigir. Só na zona do Castelo existem 6 freguesias. Isto numa área minuscula. Por outro lado, o Prque das Nações continua sob a alçada da freguesia de Santa maria dos Olivais, já de si enorme e da freguesia de Sacavém pertencente ao concelho de Loures.
Isto só sucede porque em Portugal a luta pelo poder está acima dos interesses dos cidadãos.
Bom post.
Teoricamente havia uma reforma governamental das freguesias (em Lisboa e Porto, creio), mas há imenso tempo que não se fala nisso, portanto não sei em que ponto isso está.
Tudo o que sejam sistemas que funcionem melhor do que estamos, é sempre benvindo, mas não vale a pena criar novas estruturas e criar um caos de níveis administrativos. Se calhar basta rever as freguesias, em vez de criar outro nível administrativo.
Concordo: A criação de distritos urbanos apenas faz sentido se não constituir um novo nível administrativo.
Já bastam os milhentos serviços camarários.
Julgo que a associação voluntária de freguesias serviria para, numa fase inicial, delimitar as fronteiras de cada distrito, desaparecendo depois num processo de fusão.
Não é fácil gerir sensibilidades bairristas ou partidárias, mas julgo que a extinção de freguesias em Lisboa apenas agitaria os meus partidários.
A extinção de freguesias no interior seria bastante complicado devido aos sentmentos de pertença das populações.
Em Lisboa ou em cidades grandes, esse sentimento expressa-se nos bairros (mouraria, alfama, oriente, teheiras, benfica) e não nas freguesias.
Aliás, os bairros são realidades upra políticas, emocionais, que são impossíveis dividir por decreto.
Por isso, a integração do bairro, num todo, nomesmo distrito urbano nunca causaria fúria na população.
Desde quando à sentimento bairrista pela Freguesia de S. Nicolau ou Mártires na Baixa de Lisboa? Quanto muito pelo Chiado ou pela Baixa.
Agrupar freguesias, tendo em conta os bairros será mais pacífico do que outra coisa.
Será preciso é explicar às populações o processo e evitar os lobis partidários.
correcção: os lapsus teclandi deste ultimo post são imensos...culpa da pressa em escrever. as minhas desculpas.
Caro Hugo,
Muito Apropriado o tema.
Em relação a este tema na campanha vimos :
- não se discutir o tema da organização admnistrativa.
- o piscar de olhos dos candidatos (principalmente RC, HR e CR), escamoteando o facto de muitos serviços serem maus/ineficientes. os 11 mil votos (mais famílias)eram muito valiosos :)
Em relação às Juntas - o problema não é só serem demasiadas, mas as competências que (não) têm, e o facto de muitas orientarem a sua acção de acordo com o partido que está na CML (se for igual é laudatório, se for diferente já reivindicativo), e gastarem dinheiro em coisas de duvidosa utilidade (boletins,passeios para os idosos, etc)
o tal post no arrastão chamava a atenção, e muito bem, para os tais rácios que podem ser falaciosos. No entanto, é indesmentível que muitos serviços da CML funcionam mal, numa estrutura indicifrável para o comum do cidadão, e o tal estudo apontava (e ninguém desmentiu) para elevadas taxas de falta de absentismo. Com os exemplos de cima não admira, e com uma organização teia-de-aranha
Não consigo concordar com o que aqui foi escrito.
É verdade que a estrutura de freguesias de Lisboa é extraordinariamente desequilibrada, o que causa problemas de coordenação e do ponto de vista dos interlocutores locais.
Mas também é verdade que as juntas, e especialmente as mais pequenas, têm uma posição única no nosso sistema democrático, porque têm eleitos que estão efectivamente próximos da população e que, regra geral, conhecem bem os problemas.
Veja-se o salto qualitativo dos serviços das juntas quando foram criados os protocolos de descentralização de competências com a CML. As JF's começaram a dar resposta rápida e eficiente a muitos problemas que a própria CML se reconhecia incapaz de resolver.
Agora, temos assistido nos últimos seis anos à paralisia deste processo: pelos sistemáticos atrasos nos pagamentos por parte da CML, pelo fim da transparência com muitos protocolos negociados Junta a Junta, no silêncio dos gabinetes e, também pela incapacidade de inovar, de descentralizar mais.
É claro que o problema de fundo foi que não foi só para a Câmara que os lisboetas elegeram, por vezes, gente incompetente...
Hoje em dia, existem até mecanismos de associação de freguesias (que nunca foram concretizados) que permitiriam, por exemplo, que um grupo de juntas tratasse, conjuntamente o espaço público do seu território.
Concordo que há desequilíbrios, mas não concordo em tornar Lisboa uma constelação de DU's, numa importação mecânica de modelos estrangeiros. Portugal, e consequentemente Lisboa, têm uma história e especificidades próprias. Vamos potenciá-las e não nos limitemos a "estrangeirar"
Basta olhar para o post de Fernando Jorge um bocadinho mais acima para compreender que algo
(muito) está basicamente errado.
....12 mil funcionários.....e jardins naquele estado?
Por mim podem importar "modelos" da Lua, desde que os mesmos ajudem a resolver os problemas existentes em Lisboa.
JA
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