19/07/2007

Liberdade criativa


Manter uma zona histórica bem tratada tem um “preço”, que de muito bom grado pagamos, sendo um deles o da contenção nas intervenções novas, por respeito ao pré-existente. Mas Portugal, que assina cartas e recomendações internacionais para a área do património com a mesma rapidez com que as esquece, tem uma forma sui generis de as interpretar.

A imagem acima reporta-se ao Conde Barão, bem no centro desse longo eixo ainda relativamente intocado que vai de S. Paulo à Madragoa. O edifício branco, destinado a habitação e comércio, aterrou nele há relativamente pouco tempo, sendo apresentado como um exemplo de reabilitação urbana na Trienal de Arquitectura de Lisboa (Pólo II, na Cordoaria Nacional). Com a arrogância característica da produção contemporânea, o edifício em questão “chegou, viu e venceu”, secando o restante em seu redor e abrindo um precedente – mais um. A intervenção, fica a saber-se pela sinopse do projecto na referida exposição, teve como promotor… o próprio município. Graças a intervenções plenas de liberdade criativa, Lisboa, essa, vai vendo crescer o longo de rol de frentes de rua sem nexo e sem chama.

6 comentários:

Anónimo disse...

também não gosto do edifício em questão, mas pelo menos respeita as cérceas e a volumetria do local; existem coisas bem piores, e mesmo ali ao lado. o que diz do horrível edifício dos armazens conde barao?

Paulo Ferrero disse...

Toda a razão, MAM, toda a razão. Parecidíssimo com esse cubo asséptico, há aquele o outro na esquina da R.Fáb.Sedas, ao Rato, uma aberração completa, da autoria de Carrilho da Graça. Não sei se já está pronto, mas é outra aberração, essa mais «contemporânea», um cubo envidraçado. Enfim...
Bj

Anónimo disse...

o edifício não me choca como peça de arquitectura....mas tendo em conta a envolvente é um escândalo.

o facto de merecer elogios técnicos quanto às suas linhas não impede que se critique a sua localização.

e como a arquitectura não é apenas o edifício como a sua relação com a envolvente, este deveria ser case study sobre como não deve ser feita intervenção em centros urbanos antigos milenares.

parece que se vê lisboa como uma conjunto de xaso de casas velhas e não casas históricas.

Anónimo disse...

Concordo com a análise do Hugo Daniel Oliveira. Acima de tudo temos um problema de enquadramento e individualismo. Aos arquitectos em portugal é permitido criar o que lhes apetece sem qualquer preocupação com a envolvente. Avenida da Liberdade, Avenida da Republica, Avenida Fontes Pereira de Melo são exemplos disso. Não são conjuntos urbanos, mas um número de lotes urbanos em que o proprietário faz o que lhe apetece. Pelo contrário, e talvez "por obra e graça", os recentes edificios que concluiram a Praça Marquês de Pombal respeitaram o conjunto.

Maria Amorim Morais disse...

Caro Anónimo,

O que penso do edifício dos Armazéns Conde Barão? Exactamente o mesmo que neste caso. Com uma diferença: quando ele foi construído, a sensibilidade para estas questões era muito diferente da que existe (ou deveria existir) hoje entre nós. De qualquer forma, não creio que os erros do passado possam justificar os do presente. E no caso em apreço, o problema que se põe é sempre o mesmo: a arquitectura não é apenas forma ou volume. Fernando Távora costumava dizer que uma simples porta podia ser um romance, e essa dimensão está a perder-se cada vez mais em minha opinião.

Pois é, Paulo: para lá de tudo o resto, criou-se esta ideia de que uma assinatura de renome num projecto é garantia automática de qualidade superior e, como tal, ai de quem ousar questioná-lo. Depois o que vemos acontecer com estes projectos "intocáveis" é o efeito dominó: aberto o precedente, é apenas uma questão de tempo para a descaracterização passar da escala da rua à escala do bairro e, no limite, à cidade inteira. O costume, enfim... Bj

Caros Hugo Daniel de Oliveira e Carlos Leite de Sousa,

É verdade, o horror ao antigo e o deslumbramento com o "progresso" ainda irão custar-nos caro. Aliás, já hoje nos custa, embora sem grande alarme social, infelizmente.

Anónimo disse...

Parece-me que vocês são todos uns valentes bananas!

O arquitecto de hoje constrói para os dias de hoje! Claro que deve sempre respeitar o local, sabendo de antemão que quanto mais consolidada é a zona da cidade onde intervém mais cuidada deve ser a atenção dada ao local. Neste caso, e conheço-o bem pois é nesta zona da cidade que a minha vida se desenrola e por ele passo todos os dias, não só a qualidade da arquitectura se nota á distancia bem como o respeito e cuidado como a envolvente é tratada no decurso do projecto. Pode dizer-se que ao contrário de outros, sendo uma construção nova de raiz e “falando” obrigatoriamente uma linguagem contemporânea, (pois já não estamos no período pombalino pós terramoto e sendo as nossas necessidades de vida completamente distintas, tornam a reabilitação, que deve ser a prioridade em centros históricos, impossível em alguns casos) este edifício não “grita” para a cidade impondo a sua presença, passando assim bastante despercebido!
(Ali bem perto a meio da Av. D. Carlos há um edifício tão recente ou mais do que este que é uma total aberração gritante, tanto em termos de arquitectura como em termos do tão falado aqui respeito pela envolvente)

A liberdade criativa deve existir SEMPRE, mas aliada ao bom senso. Quem quer que fez este post teve azar, com tanta nova aberração para criticar, este é infelizmente para todos nós dos poucos casos em que esta aliança se deu com sucesso em benefício da nossa cidade.