Ao mesmo tempo que se faz a reconversão urbanística da antiga zona industrial de Alcântara, prepara-se a ampliação do terminal de contentores de Alcântara e respectivo nó rodo-ferroviário. E embora esse assunto seja da competência do governo, a CML pode e deve ter uma palavra decisiva a dizer. Trata-se de mais um sinal de retrocesso na política camarária da última década de reproporcionar o acesso ao rio Tejo, uma das coisas mais fantásticas e valiosas de Lisboa.
Sintoma desse retrocesso foi a vedação do porto junto ao conjunto de armazéns reconvertidos na Bica do Sapato, onde ficam o restaurante deste nome e a discoteca Lux, entre outros espaços comerciais. Neste momento, e descontando uma pequena abertura junto a outro conjunto idêntico, no Jardim do Tabaco, toda a zona ribeirinha entre o Parque das Nações e o Terreiro do Paço está vedada. Daí para a frente, até ao Cais do Sodré, as obras do metropolitano prolongam-se, sem se saber ao certo quais as intenções da CML após a sua conclusão.
Na zona do Cais do Sodré, uma intervenção muito discutível suprimiu a antiga doca e o mercado, com uma estação fluvial desproporcionada que veio ocupar mais um bom pedaço de margem do rio. Mais à frente há parques de estacionamento com vista para o rio, e depois está tudo novamente vedado até à Ponte 25 de Abril. Ou seja, praticamente toda a margem do Tejo entre o Parque das Nações e Santo Amaro está hoje vedada ao público.
Tudo isto tem vindo a acontecer perante a indiferença geral, talvez por não estar em causa o “património" no sentido tradicional do termo. Mas agora, com a anunciada ampliação do terminal de contentores de Alcântara, fica-se sem saber quais as intenções em relação às gares marítimas da Rocha Conde de Óbidos e de Alcântara, emblemáticos edifícios modernistas da autoria de Pardal Monteiro que contam com os famosos painéis de Almada Negreiros, consensuais obras-primas das artes visuais portuguesas do século XX.
Que sentido farão as duas gares de passageiros a meio dum mar de contentores, e como é que o público terá acesso?
A concretizar-se a ampliação, lá se vai uma oportunidade histórica de libertar um bom pedaço de rio para os lisboetas e não só. A concessionária Liscont já tinha acordado com o anterior governo sair para a zona de Santa Apolónia, onde se, por um lado, seria necessário fazer dragagens, já existe uma ligação directa à Linha do Norte, o que evitaria a necessidade de construir a ligação ferroviária desnivelada em Alcântara.
O Governo já anunciou que o plano de expansão do terminal de contentores será apresentado em 2006. Ao invés de outras cidades portuárias como Barcelona e Londres, em que se reconverteram as zonas portuárias no centro da cidade, aqui em Lisboa reforça-se a presença do porto. Será uma questão de pura inércia? Porque não deslocar o terminal de contentores para Santa Apolónia? Não haverá outras alternativas?
Porque é que nenhum dos senhores candidatos pega neste tema?
Os lisboetas agradecem.
Paulo Ferrero, Pedro Policarpo e Pedro Ornelas
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1 comentário:
Bravo! Muito bem!
E já agora permito-me sugerir a reflexão sobre uma alternativa, que me foi comentada por uma ex-aluna que estuda agora transportes marítimos: parece que Portugal é péssimo no uso que faz da sua capacidade como receptor de carga marítima. Mas não é porque faltem portos. Parece que o que falta são os interfaces com o comboio, nomeadamente em Sines. Ou seja, em vez de se apostar num reforço das capacidades do porto de Lisboa, talvez fosse bom pensar se não existirão outros portos com localização mais adequada para se transformarem nos grandes portos de mercadoria portugueses.
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