“Transformada em rótula de articulação de duas vias mais ou menos rápidas - as avenidas Fontes Pereira de Melo e da República -, a Praça do Duque do Saldanha já não tem o seu centro na estátua que lhe dá o nome mas num centro comercial.
Quase nada ficou das promessas, feitas pela Câmara de Lisboa nos anos 80, de devolver o Saldanha aos cidadãos, tornando o local num espaço de fruição, com passeios largos e arborizados, locais de "estar" e apreciar uma das mais desafogadas vistas da cidade.
Um estudo dos movimentos pedonais e dos conflitos de uso entre peões e automobilistas levado a cabo pela investigadora Hélène Frétigné, foca uma praça adiada, comparando espaços a estes e às viaturas, analisa velocidades do automóvel e a temporização dos semáforos: "A Praça do Saldanha, apesar de ser muito frequentada por peões, tem sido quase exclusivamente organizada em torno do fluxo rodoviário. Isso revela-se naturalmente prejudicial na concretização do seu destino de praça pública", escreve.
Do chamado Projecto Saldanha, lançado em meados dos anos 80, a única coisa que mudou foram os edifícios. Foram "abandonadas sem qualquer discussão" todas as propostas que poderiam levar os cidadãos a desfrutar daquele espaço: alargamento dos passeios, redução do estacionamento à superfície, aumento da arborização, construção de um túnel rodoviário, criação de uma zona de "estar" acolhedora, abertura de arruamento entre a Fontes Pereira de Melo e a Rua Actor Taborda (em local hoje ocupado por centro comercial).
A construção na zona de três centros comerciais - a praça conheceu um acréscimo relativo de 408 por cento na sua função comercial - tornou-a um novo pólo atractivo da cidade. É diariamente percorrida por uma multidão: só o centro comercial Atrium Saldanha atrai mais de 15 mil pessoas por dia, que ali efectuam "numerosos caminhos a pé". O projecto de há 20 anos foi "um êxito" e "um fracasso": trouxe mais gente ao Saldanha mas o local foi entregue ao automóvel, enquanto aos peões apenas restou um "espaço ridiculamente pequeno".
Como o espaço pedonal é rarefeito e disperso, sem boas ligações entre si, criaram-se naturalmente zonas informais, e perigosas, de atravessamento da via, seja na praça seja na Fontes Pereira de Melo, nalguns casos em locais onde dantes havia passadeiras. Tudo se passa como se as avenidas da República e Fontes Pereira de Melo "fossem vias rápidas".
Comentando uma fotografia do local, da década de 50 do século passado, a autora conclui: "Apreciar o sol do fim da tarde numa praça pública, em vez de ficar confinado ao refúgio artificial de um centro de compras, respirando ar condicionado e piscando os olhos sob as luzes de néon, deveria ser um direito incontestável do habitante da cidade de Lisboa".
http://jornal.publico.clix.pt/noticias.asp?a=2006&m=03&d=19&uid=&id=69075&sid=7581
Depois do verdadeiro crime que foi a demolição do Cinema Monumental, assistimos à sucessiva demolição os edifícios fronteiros ao antigo cinema, destruindo toda a coerência da Praça e dos restantes, últimos exemplares da arquitectura do SeX XIX e XX.
O mesmo se passa em todas as Avenidas Novas, com o aval dos sucessivos executivos camarários, mesmo que o centro financeiro da cidade (cujas actividades exigem bastante espaço) se esteja a deslocar para o Parque das Nações ou para os parques empresariais de Cascais/Oeiras.
30 comentários:
Ainda gostaria de encontrar uma justificação para esta mania de colocar esculturas construir jardins dentro de rotundas de trânsito. Não há sítio mais estúpido para se colocar estátuas e jardins, que são elementos de fruição dos cidadãos assim impedidos de lá chegarem devido ao tráfego. Mesmo que consigam saltar para a "ilha" que é a rotunda, é profundamente desconfortável lá permanecer. Até podiam ajardinar as rotundas com flores de plástico, que saia muito mais barato, pois aquilo só serve mesmo para ser visto ao longe.
E, para as estátuas, talvez a EMEL possa colocar telescópios, daqueles de meter a moeda, nos passeios, para que o povo consiga apreciar a obra artística.
A questão de fundo não é essa.
Nem é para levar à letra o que a autora do estudo diz. Aliás, reparare-se a defesa de um túnel, coisa que, nomralmente, os cidadãos auto-imobilizados odeiam.
Nem as fotografias pretendem ilustrar o que se pretende, nem é para se recorrer a saudosismos bacocos.
É apenas para pensar, mostrar outras realidades, de forma a pensar no que se pode fazer naquele parque de estacionamento, rodeado de má construção (salvo execepções), chamado Praça Duque de Saldanha.
o aproveitamento das "laterais" da rotunda para parque de estacionamento à superfície (ainda são bem grandes, deve haver ali lugar para 40 automóveis em cada lado) é das maiores aberrações urbanísticas daquela zona.
Pergunto-me porque ninguém põe os arrumadores da praça a andar. Extorsão e terceiro-mundismo na melhor zona da cidade.
Na melhor zona da cidade???
Pensava que só gostavas da Alta de Lisboa, pipinho!
Tem toda a razão o Daniel quando diz que "a questão não é essa". Eu é que não me expliquei devidamente. Decerto que concordo com as preocupações expostas no post. Estava apenas a lançar um novo tema, que me assalta, e que me ocorreu ao ver as fotos. Nunca me esqueço que, há muitos anos, ali em Entrecampos, fiquei embevecido com a beleza do monumento à Guerra Peninsular e, ainda de mão dada ao meu pai, lhe pedi para ir lá vê-lo de perto. Ele respondeu-me que, para ele, aquele era o mais belo monumento de Lisboa, mas como estava ali no meio da rotunda, era demasiado perigoso para atravessarmos a estrada. Até hoje, décadas passadas, ainda nunca estive ao lado do "mais belo monumento de Lisboa". É esta política de substituição dos passeios públicos, com a sua diversidade vegetal e riqueza artística, pelos corredores dos centros comerciais que aniquila uma cidade. A rua , em vez de ser espaço de todos passou a ser terra de ninguém, povoada por marginais e indigentes. E uma cidade não se vive com as pessoas fechadas em casa. Esta cultura do entricheiramento domestico e comercial é a causadora do muito mal que tem caído sobre Lisboa. Lutar pelo espaço comum urbano é visto, por muitos, como um ideal tão quixotesco como lutar pela reintegração de Olivença (que eu defendo, pois claro!).
"A rua , em vez de ser espaço de todos passou a ser terra de ninguém, povoada por marginais e indigentes. E uma cidade não se vive com as pessoas fechadas em casa."
Concordo plenamente, mas a culpa deste fenómeno é dos próprios cidadãos do nosso país. Ou melhor da sua falta de gosto e cultura.A esmagadora maioria dos portugueses que vivem nos nossos dias valorizam muito mais um centro comercial para ir passear que o centro histórico de Lisboa ou do Porto, ou do que um jardim público por melhor que seja. Ao estado interessa-lhe mais também fomentar o consumismo do que a fruição de bens públicos gratuitos e não taxados por impostos.Há uma crise de valores na sociedade portuguesa que nos levará a nos aproximarmos cada vez mais de África e a nos afastarmos da Europa mais desenvolvida.À muito escassa minoria de pessoas que não se conforma com esta situação como eu, sugiro a emigração para países culturalmente mais desenvolvidos e civilizados como a Suíça...
"A rua , em vez de ser espaço de todos passou a ser terra de ninguém, povoada por marginais e indigentes"
Há uma esperança, chama-se petróleo cada vez mais caro, obrigando as pessoas a retomarem as deslocações pedonais e de bicicleta que animam qualquer cidade verdadeiramente europeia. Mas dada a estupidez do povo português tenho receio que as pessoas prefiram deixar de comer bem, mas manter a utilização do automóvel....
diga-me então a esperteza rara como se pode comer sem ir trabalhar, e sem o carro, quando se está a mais de 20Km, e não existem transportes entre casa e trabalho.
é que quem tem o transporte público como melhor opção já o usa, obviamente.
Sabe tão bem quanto qualquer um de nós que não é bem assim...
ah sim, existe então pessoas que se diverte a escolher o pior para elas?
ainda bem que existe iluminados para as ajudar...
"ah sim, existe então pessoas que se diverte a escolher o pior para elas?"
Bem se somos um povo assim tão esperto devemos têr um nível de produtividade fantástico!!!Por isso é que temos um tecido produtivo tão dinâmico, ao nível dos melhores da europa!! Para fazeres esses 20 km tens de certeza transportes públicos ou mesmo uma bicicleta ou uma dádiva de Deus chamada pezinhos.... Tens é que perder um pouco mais de tempo na deslocação enquanto não mudas para uma casa mais perto do trabalho ou para um trabalho mais perto de casa - ou seja levantar o cu mais cedo da caminha. E já agora porque não promover o tele-trabalho.Se o modelo certo é o nosso temos que o ir tentar vender aos povos Nórdicos - ou então perguntar-lhes qual é o milagre que eles conseguiram para não usarem tanto os transportes indivíduais.
"pouco mais de tempo"
seriam umas 3,5h diárias em vez da 30 min actualmente. Maior parte do trajecto a pé. Agradeço encarecidamente o conselho, mas vou ter de o recusar.
Mas se tem ideias tão produtivas como esta última, o que está à espera para investir o teu património em ideias brilhantes, e aumentar a produtividade do país. Até admira...
Foi o Filipe que escolheu morar onde mora, pode mudar quando quiser...
Ironico, não?
exacto, escolhi a minha casa e o meu carro. agora percebi: as suas teorias só funcionam quando é o sr iluminado a escolher a minha casa, o meu meio de transporte e o meu emprego
e ainda bem que você não os escolheu no meu lugar ;)
Filipe, não me interprete mal que você não tem jeito nenhum para isso.
Não o estava a criticar, estava sim a constatar uma situação: foi o Filipe a escolher o local onde mora – apesar de não ser bem servido por transportes – e o carro onde se desloca.
Parece-me totalmente lógico.
Perde-se é aquela "desculpa", que já o vi a utilizar, de que usa o carro porque não existem transportes de jeito.
Afinal é falso, usa o carro pura e simplesmente porque quer, porque assim o escolheu.
Logo é "fortemente taxado" porque escolheu.
Assim, quando quiser criticar os que andam a pé e são contra os automóveis tenha apenas uma coisa em mente: apenas fizeram melhores escolhas que o Filipe.
Assim quando quiser deixar de ser "fortemente taxado" apenas tem de escolher outro sítio para viver, de preferência com melhores transportes...
Realmente concordo consigo, ainda bem que escolhi melhor.
Cumprimentos.
Caro ads, não se esqueça que o que eu critiquei foi a sugestão de atravessar a ponte vasco da gama de bicicleta ;)
como a sugestão é ridícula, você propõe-se agora impor-me não o transporte, mas todas as escolhas de vida, caindo assim numa espiral patética.. eh eh
Impor-lhe alguma coisa, eu?
Mostrei-lhe apenas que o Filipe se queixa das suas próprias escolhas, nada mais.
Cumprimentos
ainda bem que o histórico não é apagado
dada a estupidez do povo português tenho receio que as pessoas prefiram deixar de comer bem, mas manter a utilização do automóvel
Isso só o futuro dirá, quando portagens e petroleo taxarem forte e feio.
as portagens, essa fatalidade da natureza. nunca se sabe o que certas pessoas "aconselham"
Bom, quando o virem insistentemente a queixar-se das escolhas que tomou possivelmente aconselharão um médico.
a questão é precisamente se o meu amigo acha que as pessoas devem ser livres de escolher
Claro que sim...livres de escolher, mas também capazes de aceitarem e viverem com as decisões que tomaram.
Quer utilizar carro?
Então não se queixe de ser taxado.
não é exactamente querer. não são todos que se podem dar ao luxo de ficar em casa sustentados pelo contribuinte
Então porque escolheu viver num local - pelos vistos - mal servido por transportes publicos?
Se não os usa é porque certamente não os tem como melhor opção, palavras suas com as quais concordo em pleno.
Mas se foi o Filipe que escolheu viver aí...
isto torna-se repetitivo:
tomei as minhas decisões de vida de acordo com o que pareceu melhor para mim. a proposta que fazem neste blog: de abandonar o carro, não me serve. nem a mim nem à maior parte das pessoas
Assim sim.
Percebo perfeitamente o que diz e compreendo que faça o que faz (usar o carro) porque face ás escolhas que fez é a melhor opção.
As opções que fazemos trazem consequências com as quais nem sempre é fácil lidar.
Se o Filipe tivesse escolhido viver numa zona perto do seu trabalho ou bem servida por transportes certamente não precisaria de utilizar o carro nas deslocações.
Infelizmente escolher (e comprar) casa "onde se acha melhor" não é um acto propriamente fácil (a ideia dos créditos e dividas está longe de ser a melhor nos dias de hoje, não está?). E quando se habita numa zona pobre em transportes o carro é sempre a melhor opção.
Mas então não seria melhor lutar-se por uma melhor rede de transportes?
A proposta que se faz neste blog, de abandonar o carro, obviamente não serve a todas as pessoas. A proposta foca-se principalmente sobre as pessoas que usam o carro "porque sim" e que ignoram totalmente os transportes já existentes. Essas pessoas existem e muitas delas vivem em Lisboa, não a 20 km dos respectivos trabalhos.
É necessária uma rede de transportes mais eficiente, que seja capaz de "atrair" o Filipe a abandonar o carro, que lhe dê mais opções.
Nada disto é fácil de fazer.
Em Lisboa nada é fácil.
Filipe, acredite que percebo o seu caso, que não é apenas seu mas de muitas e muitas pessoas.
Não acha então mais útil lutar pela melhoria de algo – mesmo que seja algo pequeno – que boicotar as pequenas lutas dos outros?
mais uma vez: quem tem um transporte público como melhor alternativa...
... já o usa
O que me faz pena, é a primeira fotografia.
Aquele ciné-teatro MONUMENTAL.
Que grande banda de f****s da p**a que mandaram aquele monumento abaixo.
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