02/12/2011

O bife da Trindade está turístico


In Sol (2/12/2011)
Por Pedro d' Anunciação

«O velho bife da Trindade - cervejaria agora em comemorações centenárias (ver texto junto), ex-líbris da gastronomia tertuliana nacional, ali entre a Brasileira do Chiado e as antigas redacções de jornais do Bairro Alto, com os teatros da Trindade e o já desaparecido Ginásio ao pé - convinha ser do lombo. Mas com os preços mais dolorosos de agora, temos de optar por defesas: o bife da vazia, intermédio (e o que figura na factura junta), ou mesmo de alcatra, ainda mais barato. E aquele molho de um bege acinzentado, feito não sei bem de que gorduras e farinhas e que ainda agrada aos meus filhos como a mim noutros tempos, já não consigo engoli-lo.

Vou então por alternativas: o bacalhau à Brás, a açorda de marisco ou o arroz de pato. Mas há outras propostas: linguado grelhado, arroz de tamboril, bacalhau com natas, espetada de tamboril, costeletas de porco panadas ou espetada de novilho.

As entradas, com as imperiais Sagres ou Boémia, são a primeira tentação: gambás cozidas ou com azeite e alho, saladinha de polvo, choco frito ou papa de sapateira.

No fim, os doces, podem ser o melhor da refeição: ovos moles com amêndoa, bavaroise gelada, mousse de chocolate, pudim flan, torta de cenoura ou maçã assada. A proeminência da cerveja deixa o vinho tinto mal tratado na lista, quer em propostas, quer em preços.

Vamos lá directos à conclusão: não é a comida que nos traz aqui Gastronomicamente, é uma cozinha sensaborona - embora também sem erros irremediáveis.

A casa sim, mantém uma certa aura.

Hoje vou lá pouquíssimo. Há muitos anos, havia menos alternativas. Lembro-me até de uma figura permanente, a bebericar girafas de cerveja preta com vagar e determinação, um velho de longas barbas, que constava ter sido alfarrabista, um pouquinho aristocrata, e que andaria a afogar um desgosto de amor. Saía então barato ir lá comer uns croquetes com cerveja (um bocadinho de mostarda nos croquetes fazia-os passar melhor, como ainda hoje) e o tal bife do lombo.

A clientela agora é sobretudo de turistas. E querem com certeza mais a atmosfera do local, do que surpresas culinárias. Mas também se faz ainda uso nacional: ainda nas presidenciais, Manuel Alegre e Cavaco organizaram lá refeições de finais de campanha.

A casa continua a valer bem uma visita. Sente-se ainda o velho ambiente de convento, quebrado pelos azulejos maçónicos (da autoria de Luís Ferreira, ou Ferreira das Tabuletas, em 1863) da sala principal, a segunda. A decoração, no essencial, mantém o estilo adoptado nos anos de 1860.

A sala Maria Keil, ao fundo, mais recente, com marca do modernismo português de meados do século passado, ergue-se no exacto local da antiga igreja do convento. E os claustros funcionam como esplanada interior.

Após a primeira sala, dos fumadores, passando a montra dos mariscos cozinhados, estamos no famoso átrio, onde pontificam os azulejos. E sente-se em pleno o bruaá alegre da clientela, com as imperiais a borbulharem. »

1 comentário:

Anónimo disse...

"gambás cozidas" foi gosto adquirido no Brasil? :)