15/01/2013

Tribunal da Relação nega indemnização de dois milhões ao maestro Graça Moura. Miguel Graça Moura assume gastos.





Tribunal da Relação nega indemnização de dois milhões ao maestro Graça Moura
Por Ana Henriques in Público

Sentença do processo em que é acusado de ter usado dinheiro do erário público com gastos sumptuários é conhecida hoje


O Tribunal da Relação de Lisboa negou a Miguel Graça Moura direito à indemnização de perto de dois milhões de euros que exigia ao Estado, por ter sido destituído da Orquestra Metropolitana de Lisboa há dez anos.
O maestro, que recorreu deste acórdão, espera, por seu turno, ser condenado a pagar 1,3 milhões ao Estado por gastos ilícitos durante os anos em que dirigiu esta instituição (ver caixa), num outro processo cuja sentença está marcada para hoje. Na audiência em que foram feitas as alegações finais, Graça Moura já declarou, no entanto, que não tem posses para devolver os 720 mil euros que gastou em viagens, jóias, vestuário e outras despesas sumptuárias, montante ao qual acresce meio milhão de juros.
Os factos remontam à década de 90, altura em que Graça Moura fundou a Associação Música, Educação e Cultura, instituição financiada pelo Estado e por várias autarquias na qual acumulava vários cargos, incluindo o de maestro da Orquestra Metropolitana.
Em 2003 uma auditoria veio revelar um rol gastos pouco compagináveis com a natureza da instituição: camisas de seda, charutos e passeios de balão, mas também vestidos, cuecas de fio dental e até um frigorífico, comprado na Tailândia. O músico nunca negou nenhuma das despesas, alegando que serviram para promover a orquestra no estrangeiro. Mas reclamou junto dos financiadores da associação os honorários que lhe seriam devidos caso o tivessem mantido em funções na orquestra até 2009, como esperava antes de o escândalo ter rebentado. Pelas suas contas, devem-lhe qualquer coisa como 1,6 milhões a título de ordenados e outras compensações relacionadas com os cargos que ocupou, a que soma mais 300 mil euros por danos não-patrimoniais.
Segundo a sua defesa, entregue ao advogado Rui Veiga Pinto, um ano após a sua "destituição sem justa causa", o maestro ainda sofria de "sintomatologia ânsio-depressiva grave", que se manifestava em "apatia, sentimentos de desespero e mesmo inclinação suicida". Uma junta médica acabou por o declarar incapaz, levando à sua aposentação prematura.
Graça Moura recebe hoje uma pensão, parte da qual deverá ser penhorada caso os juízes o considerem culpado dos crimes de falsificação de documentos e de apropriação indevida de bens, serviços e dinheiro de que é acusado. "Se uma pensão é inferior a 1400 euros mensais a penhora vai até um terço deste valor", explica o presidente da Câmara dos Solicitadores, José Carlos Resende. "Qualquer montante acima dos três salários mínimos é todo penhorado". O mais provável é ser movido ainda um processo de execução ao maestro destinado a penhorar-lhe eventuais bens. Só que ele já avisou os credores para não contarem com isso. "Saí da instituição pior do que entrei. Com a minha carreira destruída, sem a mínima fortuna, a viver numa casa emprestada e a deslocar-me num carro emprestado. Se fiz peculato, sou o mais estúpido dos burlões", declarou em tribunal, citado pelo Correio da Manhã. José Carlos Resende acrescenta ainda que, durante cinco anos, todos os rendimentos dos devedores se destinam ao pagamento da dívida. Se após cinco anos subsistir ainda algum montante para reembolsar, paciência: "Ao fim desse prazo a pessoa volta à sua vida normal, ainda que não tenha pago tudo". Como é acusado de dois crimes, o maestro corre o risco (remoto) de cumprir cadeia. Segundo o presidente da Câmara dos Solicitadores, têm saído dos tribunais sentenças que estabelecem penas suspensas destinadas a dar aos condenados um prazo (de um, dois ou mais anos) para arranjarem o dinheiro em falta. "Não é vulgar ser-se preso por este género de coisa", observa o mesmo responsável.
No acórdão em que nega ao maestro a indemnização pretendida por este, a Relação diz que as entidades financiadoras da orquestra não estariam a zelar pelos interesses da instituição se o tivessem mantido em funções. Contactado pelo PÚBLICO, o representante legal do maestro limita-se a dizer que o seu constituinte ganhou um processo cível contra a Associação Música, Educação e Cultura, tendo recebido as somas que reivindicava - mas não especificou quanto. Relativamente ao resto, Veiga Pinto remeteu-se ao silêncio por não ter autorização da Ordem dos Advogados.




Miguel Graça Moura assume gastos


"Não tenho ilusões quanto ao sentido da sentença que me vai ser aplicada", escreve Miguel Graça Moura num artigo de opinião publicado na última edição do Expresso. Dizendo-se de consciência tranquila, o maestro manifesta esperança de "noutras instâncias encontrar melhor compreensão deste meio [musical] tão específico". Criticando a "javardice mediática" criada em torno do caso e da sua pessoa, o músico afirma-se vítima "do ódio perene de Santana Lopes", que era secretário de Estado da Cultura na altura em que a associação que dirigia a orquestra foi auditada e se descobriram os gastos sumptuários. "Assumi-os todos. De facto, não se leva maestros a tascas nem se hospedam em pensões", diz.


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