27/11/2013

Calçada à portuguesa abre 'guerra'

In Sol Online (26/11/2013)
Por Margarida Davim

«A Rua da Vitória, na Baixa, o Alto de Santa Catarina, a Avenida de Roma e o cruzamento da Elias Garcia com a 5 de Outubro são algumas zonas de Lisboa onde a tradicional calçada à portuguesa está a desaparecer – substituída por pedra lioz, nos dois primeiros casos, ou uma mistura betuminosa, no caso das Avenidas Novas. Estas obras são o rosto visível do Plano de Acessibilidade Pedonal desenhado pela Câmara Municipal de Lisboa (CML) para tornar a cidade mais cómoda para idosos, pessoas com mobilidade reduzida e todos os que gostam de andar a pé. Mas o projecto – que esteve em discussão pública até 31 de Outubro – levantou uma onda de indignação nas redes sociais e motivou uma petição online para defender a calçada portuguesa, que conta já com 1.200 assinaturas.

Fonte oficial da CML assegura que se trata “apenas de um plano ainda em estudo” e que a proposta final, que deverá estar definida dentro de cerca de um mês, terá em conta “todos os contributos” recolhidos na discussão pública.

Mas os defensores do património argumentam com as obras que já foram feitas e atacam a falta de publicidade à discussão do plano. Aliás, foi já depois de terminado o período de consulta pública que a polémica estalou.

“Está em causa a nossa cultura. A calçada de vidrilho, com desenhos do século XIX e inspirada no mosaico romano, faz parte da cultura de Lisboa”, defende o arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles, que não vê como fazer a distinção – contida na proposta da autarquia liderada por António Costa – entre as ‘zonas turísticas’ que devem manter este pavimento e o resto da cidade. “Como é que se delimita isso? Mesmo Carnide ou Telheiras têm zonas históricas onde faz sentido a calçada”.

Carlos Moura, vereador do PCP e um dos apoiantes da petição contra o fim da calçada fora das zonas históricas da capital, recorda que não há nenhum documento que defina o que são ‘zonas turísticas’. “Não conheço nenhuma definição de zona turística em Lisboa excepto do ponto de vista empírico”.

[...]

A solução mais ecológica

Carlos Moura considera “redutor” ver este piso “apenas do ponto de vista da monumentalidade”. A permeabilidade, a durabilidade e a regulação climatérica são outros argumentos para manter a calçada. “É mais ecológico”, defende, explicando que materiais como o cimento aquecem no Verão, “aumentando a temperatura desses espaços, com menor reflexo dos raios solares, com as consequentes correntes de convecção e alteração das brisas circulantes”.

Além disso, aponta Carlos Moura, a calçada, por ser permeável à chuva, “representa um importante factor de aumento dos tempos de retenção e de diminuição dos caudais de cheia a jusante”.

Mas há quem não se compadeça com estes argumentos. “Por favor, dr. António Costa, vá em frente sem hesitar. Dê-me passeios, de betão ou cimento, como nos países civilizados, onde eu possa caminhar sem medo de entorses ou até de uma ruptura de ligamentos num pé, como as que devo à histórica calçada à portuguesa”, escreveu Miguel Sousa Tavares, numa crónica no Expresso.

E não faltam comentários nos sites de viagens onde os turistas contam as histórias dos perigos das calçada. “Os passeios de Lisboa são maravilhosos, mas também perigosos”, queixa-se um turista, que relata a queda aparatosa da sua mulher “e de uma jovem rapariga que acabou por ficar no chão à espera de um médico”. Relatos deste tipo sucedem-se e acabam com o mesmo conselho: “Escolha calçado adequado”.

A solução, defende-se na petição do Fórum Cidadina Lx, pode ser outra: “Impedir os carros e as cargas excessivas nos passeios, proibir a colocação de calçada por curiosos, lançar equipas de calceteiros que monitorizem diariamente a cidade, usar pisos mistos nas ruas íngremes”, [...]

Em Lisboa, o tema já tinha animado as autárquicas de 2009, quando a então candidata pelo CDS, Maria José Nogueira Pinto, lembrou a incompatibilidade entre as pedras da calçada e os sapatos das senhoras. Carlos Moura recorda que os saltos altos tipo agulha já eram moda nos anos 50 e 60 e nessa altura não havia queixas. “Porquê? Porque a justaposição das pedras era muito mais cuidada, os leitos de cada pedra eram feitos de forma a que esta assentasse perfeitamente, sendo depois calcadas com um maço até constituírem uma superfície plana e perfeita”.p> Hoje, a falta de calceteiros qualificados faz com que a construção e manutenção do pavimento seja menos cuidada, resultando em pedras soltas e buracos. “Com isto, qualquer pressão, limpeza de rua ou intempérie erode o material de preenchimento, deixa a pedra descalça e aparecem buracos”, conclui.

Há 12 novos calceteiros

Criada em 1986, a Escola de Calceteiros da CML formou apenas 150 trabalhadores em 27 anos. A falta de mão-de-obra qualificada reflecte-se no quadro da Câmara, que tem só 20 calceteiros. O salário inicial é de cerca de 500 euros e um ordenado médio ronda os 700 – que pode chegar aos mil, em funções de encarregado geral. [...] “É um trabalho duro, à chuva e ao sol, e de grande precisão”, explica Manuel Torres da Silva, um dos responsáveis pela abertura da escola, em 1986. Critica a falta de debate sobre o assunto e diz-se “perplexo” por a CML ter avançado já com algumas intervenções. [...]»

3 comentários:

J A disse...

"..para tornar a cidade mais cómoda para idosos, pessoas com mobilidade reduzida e todos os que gostam de andar a pé.."

Mas que hipocrisia de mau gosto. Mudam o piso dos passeios por causa de idosos e blablabla ??
Numa cidade que leva DÉCADAS com passeios ocupados por carros e demais porcaria ?

Haja vergonha e seriedade !!

Manuel Marques disse...

Realmente... em vez de haver a preocupação de punir severamente carros em cima de passeios, ataca-se aquela é uma marca identitária da cidade!

Para além dos locais em cima mencionados há a acrescentar a principal praça de Lisboa, o Terreiro do Paço, que já teve uma das mais belas calçadas da cidade e a Praça do Areeiro. Vergonhosa a forma como a pouco e pouco vão acabando com a calçada portuguesa!

Anónimo disse...

Senhor Miguel Sousa Tavares,
nos passeios de países civilizados não há carros, postes e publicidade. O senhor está com receio pelo seu pé e tornozelo mas devia ter receio pelo seu nariz e cabeça porque sabe perfeitamente que qualquer pessoa um pouco mais alta bate com a cabeça em placas e publicidade.
E que tal os passeios exíguos porque a rua está dedicada ao estacionamento e circulação automóvel? Também acha civilizado?
Tenham paciência!