Na esquina onde começa a esboçar-se o Bairro Alto, um
antigo convento onde meninas órfãs eram afastadas da prostituição vai
lentamente ceder à boémia da noite lisboeta
Por Alexandra Guerreiro, Público de 10 Maio 2014
Entre as propostas para a revitalização do convento estão a promoção de visitas guiadas e a realização de missas nocturnas
A Santa Casa de Misericórdia de Lisboa (SCML) está a
remodelar o Convento de São Pedro de Alcântara para transferir para este espaço
alguns serviços administrativos e abrir ao público novos espaços, como um
restaurante e duas cafetarias. Em estudo está também a realização de missas
nocturnas e de visitas guiadas ao monumento secular.
Para recuperar o património que detém mesmo à porta do
Bairro Alto e rentabilizar a utilização de muitos metros quadrados vazios, um
ano após as 14 irmãs que ali viviam se terem mudado para outro convento, o Departamento
de Gestão Imobiliária e Património (DGIP) da SCML começou a estudar como dar
uma nova vida ao local. O primeiro passo foi fazer um levantamento do estado do
edifício e elaborar um projecto de arquitectura. O orçamento ainda não está
calculado.
Mas os trabalhos de recuperação já começaram.
Contactada pelo PÚBLICO, Helena Lucas, directora do DGIP, disse que, por agora,
se estão a realizar apenas obras de conservação. “Estas primeiras intervenções
são, essencialmente, pinturas, eliminação de alguns elementos dissonantes e
reorganização do espaço”, descreve. Depois da conclusão desta fase, o convento
ficará branco em vez de rosa, como é actualmente, e começará a ter a maioria do
seu espaço ocupado por serviços da Santa Casa.
Quando o PÚBLICO visitou o monumento, o acaso fez com
que a porta com vista directa para o miradouro de S. Pedro de Alcântara
estivesse aberta. O andaime que a tapava tinha acabado de sair já que os dois
pintores tinham terminado de pincelar de branco a viga da centenária entrada. Por
momentos, a colina do Castelo entrou, avassaladora, pelo convento adentro. Até
que os operários fecharam a porta, deixando Lisboa lá fora.
A entrada é feita pela lateral do convento. De ferro,
preta e já restaurada, a porta ainda com um cheiro de tinta fresca abre o
caminho para um átrio de azulejos azuis com os dias contados. Serão arrancados
e a parede será pintado de branco. Atrás da porta fechada encostada ao portão
negro nascerá uma loja de roupa, com montras de vidro a substituir as portas de
madeira que antes davam acesso à rua. Ali fica também a Capela dos Lencastres,
constituída maioritariamente por pedra, e que não necessitará de nenhuma
intervenção.
Já no interior do monumento, a Igreja do Convento de S.
Pedro de Alcântara, de pé-direito muito alto, tem o tecto com infiltrações e a
tinta solta-se em lascas. Depois de restaurada, logo de estudará como se poderá
revalorizar este espaço. Entre as propostas em cima da mesa está a realização
de visitas guiadas ou de missas nocturnas, um programa verdadeiramente
alternativo face ao que é oferecido na noite que se vive mais abaixo, no Bairro
Alto.
“Pretende- se recuperar, tanto quanto possível, o
desenho original, ao nível por exemplo da compartimentação interior e
coberturas”, sublinha a directora. O objectivo é criar também novos espaços,
inclusive nas áreas exteriores, como o jardim, os pátios e o claustro.
Atravessando a primeira porta do jardim onde está um
pequeno parque infantil, chega-se ao claustro. Vários pedaços de tinta branca
estão a cair. O local será totalmente remodelado e em volta de um lago será
instalada uma esplanada com cafetaria.
Um restaurante substituirá o antigo refeitório do
convento. Perto fica a cozinha, ainda cheia de vestígios da azáfama culinária
que ali se viveu. Uma enorme batedeira, fogões industriais, armários de madeira
com alguma loiça, tachos e vários utensílios preenchem o espaço.
Percorrendo os corredores compridos, vazios, de paredes
brancas e com muitas portas entreabertas, espreitam-se divisões de 20 metros
quadrados com uma janela e chão de tábuas de madeira, algumas levantadas,
outras esburacadas, outras recuperadas. Até ao final do ano, pretendem encher
estes antigos quartos das freiras com secretárias, telefones, computadores,
impressoras.
O Convento de São Pedro de Alcântara, antigo palácio
dos Condes de Avintes, foi fundado em 1672 por D. António Luís de Menezes,
tendo sido entregue aos frades da Ordem de São Francisco em 1645. Em 1833, o
convento foi secularizado e entregue à SCML para receber meninas órfãs para
evitar que estas acabassem na prostituição. As freiras ensinavam-nas a ler,
escrever e rezar.
A escola ficava no último piso. O quadro preto ainda
tem marcas de giz branco mal apagado. Numa estante, vários ursos de peluche
estão sentados, outros deitados, caídos e com pó. As cadeiras estão em monte
encostadas às paredes. As mesas já
desapareceram. Na sala ao lado, meia dúzia de máquinas de escrever estão espalhadas
numa prateleira de ferro.
Na outra ponta do convento, no mesmo piso, o chão do
pátio está levantado. Será reposto e ali nascerá mais uma cafetaria, com uma
esplanada aberta no topo do convento.
Estas intervenções mais profundas demorarão e vão
começar a ser realizadas numa segunda fase, sem data prevista e já com alguns
serviços da Santa Casa a funcionar no convento. Espera-se que todo o processo
esteja terminado durante o próximo ano.
Por agora, apenas algumas marteladas quebram o silêncio
que invade os corredores, as escadas de mármore polidas pelos vários pés que
durante séculos as pisaram e as paredes lascadas que muitas orações ouviram. Texto editado por Ana Fernandes
6 comentários:
Apenas nao entendo porque vao tirar os azulejos?? E o que vao fazer com eles??
ora, vendê-los! ou transplantar para a casa de alguém - como se não existe património arquitectónico
serão estes? os azulejos "figurativos rococó e de padronagem decorativa" que eles querem vender: http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=5077
Já alguém contactou a santa casa para eles confirmarem se o que o Público escreve sobre os azulejos é verdade? E se sim, o porquê desta decisão? E para onde irão os azulejos removidos?
Recebi este comentário ao contactar o projecto SOS azulejos: "A notícia do jornal Público sobre remoção de azulejos do Convento S. Pedro de Alcântara – Colégio dos Órfãos não tem qualquer fundamento, conforme nos garantiram os responsáveis da SCML. Em breve divulgaremos, em princípio, uma declaração da própria SCML sobre o assunto."
E onde está ela, a declaração?
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