In Público (27/7/2006)
José António Cerejo
"Carmona Rodrigues também não sabe a razão pela qual as taxas ainda não foram pagas pelo promotor e ordenou um inquérito. As três principais dúvidas levantadas pelo processo de licenciamento de um condomínio construído na Av. Infante Santo, em Lisboa, ficaram ontem por esclarecer cabalmente na reunião pública do executivo municipal.
O presidente da câmara, Carmona Rodrigues, diz estar de "consciência tranquila" e desejoso de que tudo seja esclarecido "o mais rapidamente possível" pela justiça, mas os eleitos da maioria não conseguiram explicar se o edifício foi construído sem licença municipal; se a taxa de 600 mil euros devida pelo promotor foi paga, ou não; e se a obra foi, ou não, parcialmente feita em terrenos camarários.
Foi com uma declaração do presidente antes da ordem do dia que se iniciou o debate de quase hora e meia, motivado pelas conclusões de um relatório da Provedoria de Justiça, ontem divulgado pelo PÚBLICO, que aponta para a existência de irregularidades e ilegalidades no processo. Sublinhando a sua "tristeza e revolta" em relação à forma como o assunto tem sido tratado, Carmona afirmou que não está na câmara para "defender interesses particulares" e garantiu que os documentos comprovam o facto de não ter favorecido os promotores - uma empresa ligada ao empresário Vítor Santos.
O autarca esforçou-se, sobretudo, por demonstrar que não tinha isentado a empresa do pagamento da Taxa pela Realização de Infra-estruturas Urbanísticas (TRIU), no valor de 600 mil euros, tendo apenas aceite o seu pagamento em espécie, tal como está previsto no regulamento, através da entrega pelos promotores de dois imóveis de Campo de Ourique, pertencentes ao construtor e que interessavam à câmara. O que Carmona também não percebe, e por isso disse já ter determinado a realização de um inquérito, é a razão pela qual a concretização dessa operação não se concretizou desde o final de 2004 até hoje.
A acesa polémica que depois se desenrolou passou, em grande parte, pela luz verde dada pelo presidente a esta modalidade de pagamento da TRIU. Na opinião de José Sá Fernandes, eleito pelo Bloco de Esquerda, Carmona não dispõe de competência própria para negociar com um particular a aquisição de um edifício daquele valor, uma vez que só a câmara e a assembleia municipal o podem fazer. O vereador pediu repetidamente, e sem êxito, que lhe fosse fornecida uma cópia do despacho do presidente sobre o assunto, e insurgiu-se contra o facto de há meses ter feito perguntas escritas e orais à câmara sobre o processo, sem ter obtido resposta.
"Eu não comprei nenhum prédio"
De acordo com Carmona Rodrigues, o documento que assinou limita-se a dar seguimento a uma informação dos serviços que propunham a aceitação do pagamento em espécie. "Eu não comprei nenhum prédio", frisou, contrariando assim a opinião de Sá Fernandes segundo a qual ele teria feito algo de "grave" ao substituir-se à câmara e à assembleia. A questão viria a ser mais ou menos esclarecida quando o vice-presidente, Fontão de Carvalho, afirmou que "obviamente" não é o despacho de Carmona que legitima a aquisição dos edifícios e que isso só sucederá quando for aprovada a proposta que "virá oportunamente à câmara e à assembleia municipal".
Relacionada com o problema da TRIU surgiu, também pela voz de vários vereadores do PS e de Ruben Carvalho, da CDU, a questão da existência, ou não, de um alvará de licença de construção, sem o qual a execução da obra terá sido ilegal desde o início. Embora o relatório da Provedoria seja inequívoco quanto à sua inexistência, a vereadora do Urbanismo não foi capaz de dizer se tal alvará tinha sido emitido. O que Gabriela Seara afirmou foi que, de acordo com os seus serviços, não há motivos para embargar a obra: "Do ponto de vista urbanístico, dizem-me os serviços, não há qualquer irregularidade na obra. Sobre a questão de existir ou não licença temos de aguardar porque há divergências sobre questões jurídicas".
A autarca deixou perceber que as divergências se prendem com o facto de uma garantia bancária prestada pelo promotor poder ser considerada como uma forma de pagamento da taxa.
Em todo o caso, e sendo claro que a câmara não emitiu ainda o alvará por não ter sido paga a TRIU, sobra o "espanto", comum a toda a oposição, motivado pelo facto de a maioria continuar a dizer que não sabe se o promotor dispõe de alvará.
O mesmo "espanto" vale igualmente para a resposta de Fontão de Carvalho, segundo o qual, embora admita já ter feito a pergunta há mais de dois meses, os serviços camarários não sabem se o promotor construiu ou não uma parte do edifício em cima de terrenos camarários: "Estas questões não são de simples resposta. Em relação à ocupação de eventual domínio público estamos a falar de centímetros. Isso está a ser analisado pelos serviços e eu não tenho ainda a resposta."
LOCAL LISBOA
"Quero que fique muito claro que eu nunca farei, muito menos de forma consciente, qualquer coisa que consubstancie uma forma de dolo para o interesse público ou de qualquer instituição."
Carmona Rodrigues
Presidente da CML
"Sobre essa matéria a IGAT já estava a fazer investigações preliminares e o relatório da Provedoria de Justiça será um elemento importante a considerar."
Eduardo Cabrita
Secretário de Estado da Administração Local
"Neste momento não há qualquer justificação para o embargo da obra. O embargo não é um acto discricionário ou político."
Gabriela Seara
Vereadora do Urbanismo
"Ninguém da oposição duvida que esta maioria herdou uma situação de gestão que mereceu críticas, processos judiciais e uma confusão grande. Se houvesse um corte claro com determinadas práticas, esta maioria poderia ter sido poupada a alguns embaraços."
Ruben de Carvalho
Vereador da CDU
"Isto tem de ser esclarecido com muita urgência. Não é nada bom para a câmara que saia este tipo de notícias."
José Sá Fernandes Vereador do BE
"O que é importante neste momento é conhecer o relatório e que a investigação
seja concluída rapidamente."
Nuno Gaioso Ribeiro
Vereador do PS
"Espantou-nos que a Provedoria de Justiça tenha ido tão longe, mas já não nos espantam os seus motivos, porque há muito que tínhamos a noção de que existiam irregularidades na obra."
Carlos Moura
Dirigente da Quercus de Lisboa
Uma proposta aprovada 24 anos depois
Vinte e quatro anos depois do início do processo, o executivo municipal aprovou ontem, com os votos contra da oposição e a abstenção de Maria José Nogueira Ponto, a venda de um terreno camarário a uma empresa do ex-presidente do Benfica Fernando Martins. O negócio foi objecto de uma primeira aprovação em 1982, mas um conjunto de contratempos fez com que a sua concretização se arrastasse até agora. De acordo com a proposta então aprovada, a empresa Fernando Martins Ld.ª construiria uma central de camionagem (terminal rodoviário) para a câmara, em terrenos municipais situados no Areeiro (onde agora existe um parque de estacionamento público, à entrada da Av. Gago Coutinho) que a empresa compraria. Em contrapartida, poderia erguer no mesmo local uma determinada área de habitação e comércio. Uma parte dessa área excedia o máximo permitido, mas era atribuída ao construtor como forma de o compensar por um terreno que possuía em Telheiras e tinha sido expropriado pela EPUL. Inviabilizada pouco depois devido a um recurso do Ministério Público, a concretização da proposta foi sendo adiada até que o Supremo Tribunal Administrativo, em 1992, confirmou a legalidade do negócio. Nessa altura, porém, já a câmara começara a desinteressar-se da construção do terminal, razão pela qual não deu seguimento à proposta e depositou na conta da empresa o valor da indemnização devida pela expropriação de Telheiras - montante nunca levantado, tendo, entretanto, prescrito os direitos no processo. O que a câmara ontem aprovou, com os votos contrários da oposição e a abstenção do CDS/PP, foi uma proposta calorosamente defendida por Fontão de Carvalho, que actualiza os valores do negócio de 1982 e aprova a venda à mesma empresa dos 11 mil m2 do Areeiro, em troca de 11,4 milhões de euros e de um jardim-escola a construir pela empresa. Com a entrega do terreno, para 22.700 m2 de habitação e comércio, a câmara indemniza também a empresa pela expropriação e despesas com os projectos que mandou fazer para o local. Os vereadores da oposição consideram que nada justifica actualmente a aprovação desta proposta, sustentando que a câmara apenas deverá indemnizar a empresa pelos danos eventualmente causados com a não concretização do negócio inicial. Fontão de Carvalho, por seu lado, defendeu que a câmara "tem de ser uma pessoa de bem" e considerou de "inteira justiça" o facto de "cumprir as expectativas que criou ao promotor para construir naquele local". J.A.C."
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1 comentário:
Depois disto, o silêncio (inclusive o silêncio político)?
Espero bem que não seja mais um caso de deixa-andar-até-que-esqueça-ou-prescreva!
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