In Diário de Notícias (2/11/2006)
Opinião de Ruben de Carvalho
"O projecto anunciado para o velho museu de "arte popular" em Belém levanta - até pelo que não foi esclarecido - diversas interrogações. Aqui se deixam cinco.
Primeiro. Associar num equipamento museológico a língua portuguesa e os descobrimentos faz sentido? E, se faz, a partir de que pressupostos culturais, científicos e ideológicos? Tata-se de uma associação virtuosa ou, pelo contrário, acabará a fazer prevalecer - com incontornável significado cultural e político - a visão de um dos aspectos sobre o outro? Naturalmente que a divulgação da língua portuguesa pelo mundo está intimamente associada aos descobrimentos, mas os descobrimentos não têm de ser abordados para além da questão da língua e a língua não tem de ser abordada para além dos descobrimentos?
Segundo. O tratamento museológico de um fenómeno linguístico tem hoje exigências (simultaneamente permitidas e exigidas pela evolução tecnológica) de que, segundo parece, as experiências virtuais de São Paulo são um estimulante exemplo. O edifício de Belém adequa-se minimamente a estas exigências? Mais importante: a musealização dos descobrimentos tem características, exigências e possibilidades completamente diferentes: é compatível, será enriquecedora e coerente a junção das duas?
Terceiro. O acervo existente (ainda?...) do antigo Museu de Arte Popular é contraditório no seu valor e significado, mas, para além exactamente da globalidade, de que já se falará, contém peças que, em quantidade e qualidade, são hoje únicas. A decisão tomada parece prever a sua disseminação por diversas instituições, algumas que poderão com coerência e rigor acolhê-las (caso do Museu de Etnologia). Mas não se previu, segundo parece, nenhuma solução para manter criticamente coerente um acervo que o é? Dispersá--lo peça a peça, à luz não se sabe bem de que critérios, não é evidentemente a liquidação de um património conceptual?
Quarto. O próprio museu era, como tem sido sublinhado, na sua globalidade - concepção, colecção, edifício - um elemento demonstrativo de uma visão cultural, ideológica e política do povo e da sua arte, própria do salazarismo. Que fica dessa relevante memória?
Quinta e insidiosa pergunta: depois da zona oriental e da Expo de Guterres, o Governo PS resolve acolher-se novamente aos convencionais faustos do poder da zona de Belém?..."
A minha preocupação prende-se com a 4ª pergunta, pois parece-me que a preocupação que está subjacente à intenção de demolir o último pavilhão da Exposição do Mundo Português, e à má publicidade em relação ao pavilhão, chamando-o de "mamarracho em contraplacado" é uma e só uma: apagar a memória à boa maneira portuguesa. O português dá-se mal com a sua História. O que vale é que já há 877 pessoas que não pensam como a Srª Ministra: http://www.petitiononline.com/MAP20006/petition.html.
E o Dr.Ruben de Carvalho, recentemente designado pela CML como executor do inventário desse período, tem toda a legitimidade, oportunidade e obrigatoriedade em diligenciar tudo e mais alguma coisa com vista a preservar e recuperar o edifício do Museu de Arte Popular.
PF
03/11/2006
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