11/07/2007

Nomeação de Júdice para zona ribeirinha debaixo de fogo

In Público (11/7/2007)
Ana Henriques

Mandatário da candidatura de António Costa diz que lhe podem vasculhar a vida e ver se existe algo que o envergonhe

A notícia de que o Governo tenciona nomear o advogado José Miguel Júdice para coordenar a reabilitação de três zonas ribeirinhas nobres de Lisboa pôs ontem a candidatura socialista à autarquia debaixo de fogo. Proprietário de um dos maiores escritórios de advogados do país, Júdice é mandatário do candidato António Costa, tendo sido mantidas em segredo as suas futuras funções.
Os rivais de António Costa na corrida à Câmara de Lisboa reagiram com indignação e estranheza ao convite, feito pelo próprio primeiro-ministro José Sócrates. "Contrapartida", "incompatível", "mentira" e "coligação de cargos e emprego no poder" foram alguns dos termos utilizados (ver pág. 5) para comentar o convite, que se tornou no grande tema do dia da campanha eleitoral alfacinha. Um dos comentários mais duros partiu da ex-militante socialista Helena Roseta: "Se continuarem a tomar decisões à porta fechada sem ouvir ninguém, há um risco de mexicanização do regime".
"Vasculhem a minha vida, se fazem favor, e vejam se existe alguma coisa de que me envergonhe!", reage José Miguel Júdice, explicando que foi convidado antes de a Câmara de Lisboa cair, por altura da Páscoa, e pôs como condição não ser remunerado por esta função. "O primeiro-ministro disse que o processo só seria retomado depois das eleições, para não influenciar o resultado eleitoral."
Ainda no domingo António Costa fez um passeio pelo Tejo em que teceu duras críticas à administração portuária, por esta teimar em gerir zonas de lazer à beira-rio, em vez de as entregar à câmara - e nem uma palavra sobre o facto de o seu mandatário desempenhar altas funções ligadas precisamente à reabilitação da zona ribeirinha.
A zona da Docapesca, em Pedrouços, a zona monumental de Belém e o percurso entre Santa Apolónia e o Cais do Sodré são os troços em causa, e José Miguel Júdice garante que não está prevista mais construção à beira-rio do que aquela que já foi anunciada: o terminal de cruzeiros de Santa Apolónia, as novas instalações do Museu dos Coches, em Belém. Quanto a Pedrouços, a situação é diferente, e haverá nova construção em maior quantidade.
O advogado deverá presidir às três sociedades que vão ser encarregues da reabilitação, e não terá funções executivas. A reabilitação da zona do Terreiro do Paço seguirá as ideias do Plano Baixa-Chiado, adianta.
Segundo Júdice, estas sociedades não terão capitais privados, nelas participando as câmaras de Lisboa e de Oeiras (esta última por via do troço da Docapesca) e o Estado, como sócio maioritário. "A administração do porto de Lisboa também vai, evidentemente, participar no processo", informa Júdice.
Nenhum responsável desta entidade esteve ontem disponível para prestar declarações sobre o assunto. Uma atitude, aliás, idêntica à de António Costa, que foi repetidamente interpelado pelos jornalistas sobre o caso. A sua candidatura limitou-se a distribuir um esclarecimento de Júdice, que refere que a escolha do seu nome já tinha sido divulgada poucos dias antes da queda da câmara, pelo jornal Semanário. Mas a polémica só estalou ontem, com um artigo no Diário de Notícias.
"Nunca fui nem deputado nem ministro", recorda o advogado, até Fevereiro passado militante de longa data do PSD. E o que o qualifica para exercer semelhante função? Responde o próprio: "Fui eu que tratei, desde o primeiro dia, e enquanto advogado, da desocupação dos terrenos onde se fez a Expo-98. Acumulei uma experiência muito grande na recuperação e reabilitação de áreas urbanas a trabalhar para a Parque Expo." E acrescenta: "Também fiz o grupo empresarial do jornal Semanário. Tenho alguma capacidade de gestão e coordenação de equipas."
Júdice garante que foi convidado antes de o presidente da Câmara de Lisboa cair e que não será remunerado
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