11/07/2007

Portugueses suaves e as luzes azuis do Terreiro do Paço

In Público (11/7/2007)
Adelino Gomes

«Cantigas de portugueses
São como barcos no mar -
Vão de uma alma para a outra
Com riscos de naufragar
Fernando Pessoa,
Quadras ao Gosto Popular*

"A minha terra" é uma das expressões da língua portuguesa que mais aprecia. Por ela, gosta de dizer que tem três: Lund, na Suécia, onde nasceu; Colónia, na Alemanha, onde viveu 23 anos; e Lisboa, onde reside desde 1995.
Margareta Nilson é chefe da unidade Parceiros Científicos e Documentação do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT). Deslocou-se para a capital portuguesa quando esta agência da União Europeia foi aqui sediada.
Funcionária governamental na Alemanha - país para onde fora viver por via do casamento - visitou Lisboa pela primeira vez em 1978. "Foi namoro à primeira vista. Estive aqui 10 dias, numa conferência da ONU. Já não se fazem conferências destas..." Voltou diversas vezes, sempre no plano profissional. Quando soube da abertura do Observatório, candidatou-se "imediatamente".
Passados quase 20 anos sobre a primeira visita, encontrou "bastantes diferenças" em Lisboa. "Mas a alma mantinha-se".
Aos portugueses define-os como "muito suaves", ainda que "um pouco fechados". Não são de fazer amigos. Como não tem "nem crianças nem cão", não frequenta discotecas e trabalha numa agência europeia, a aproximação torna-se mais difícil, levando-a a conviver, essencialmente, com outros estrangeiros.
Lamenta que os lisboetas prefiram passar os tempos de lazer nas grandes superfícies comerciais em vez de passearem pela Baixa, "um deserto de pessoas". Mesmo no Chiado, tem visto lojas a fecharem. "Uma pena".
Passa todos os dias pela Praça do Comércio ("Nunca mais constroem a estação de metro. E aquelas luzes azuis à noite nos edifícios, ó meu Deus, são para ficar sempre assim?"), a caminho de Santa Apolónia , onde funciona o Observatório. Provisoriamente. (A construção dos edifícios que albergarão este centro europeu, a Fundação Champalimaud e um terminal de cruzeiros - os dois primeiros na zona de Cais de Sodré, o último em Santa Apolónia -, está a sofrer contestação por os localizar na frente ribeirinha, que assim se vê amputada de mais espaço de fruição para os habitantes da cidade.)
O conhecimento da língua portuguesa tem-lhe permitido entrar mais fundo na vida cultural. Lê o PÚBLICO e a Visão, onde não perde as crónicas de António Lobo Antunes. É leitora de José Saramago. Fala de Fernando Lopes Graça, de Mísia e do ambiente popular da Adega do Ribatejo, no Bairro Alto ("lá ouve-se a cozinheira cantar"). Lamenta a hora tardia a que os concertos começam ("às 10, normalmente, já eu estou a dormir, para poder estar a correr [dia sim, dia não, pela zona de Belém, onde reside] às 6h30 da madrugada").
Edução cívica
Nos primeiros anos viajou bastante pelo país. Gosta sobretudo da "paisagem aberta" do Alentejo, na Primavera, e das praias da Costa Vicentina. Agora, prefere ficar no terraço da casa. "Ali tenho tudo: a vista, os meus livros, os meus quadros [estuda pintura, que pratica como passatempo]".
Sempre que um amigo lhe telefona do estrangeiro, tem uma sugestão imediata: um jantar no Chapitô. Ela própria, o ano passado, convidou 50 amigos para o local. Tratava-
-se de celebrar a sua entrada nos 60 anos. "As pessoas são muito, muito simpáticas, o restaurante é muito, muito bom, e a vista é extraordinária".
Aos candidatos à câmara lembra os bairros degradados, as escolas, a droga, que vê como consequência dos problemas sociais, o trânsito, o estacionamento. E a necessidade de campanhas de educação cívica. Para os ecopontos, para os excrementos dos cães. "Há dias, quando fui correr, tive a satisfação de ver um casal com um saco de plástico, mas lá em Santa Apolónia é uma desgraça".
E deixa um recado ao futuro presidente: "Ouvi no rádio que a câmara tem mais de 3500 jardineiros. Aqui, no jardim, na zona das roseiras, há mais ervas daninhas do que rosas..."

* Epígrafe escolhida pela retratada
Margareta Nilson

- Nasceu na cidade universitária de Lund, Suécia, em 1946
- Divorciada, dois filhos
- Psicóloga
- Em Portugal há 12 anos
- Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT)

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