In Público (23/3/2008)
Ana Machado
«Primeiro multiplex português encerrou as portas definitivamente esta semana por falta de dinheiro para obras de melhoramento que levaram ao seu encerramento em Novembro
Ainda não há nenhum projecto concreto delineado, mas a vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Lisboa, Rosália Vargas, disse ao PÚBLICO que a autarquia tem em cima da mesa a hipótese de classificar as salas do cinema Quarteto, o primeiro multiplex de Portugal, como espaço de interesse cultural. Na quarta-feira, o Quarteto fechou as portas definitivamente. Falta dinheiro aos actuais responsáveis para conseguirem cumprir com as melhorias que levaram ao fecho em Novembro passado.
Foi Pedro Bandeira Freire que o fundou em 1975 e foi também ele que, na passada quarta-feira, fechou a cadeado as portas do Quarteto. O espaço, composto por quatro salas, estava encerrado já desde 16 de Novembro do ano passado, altura em que a Inspecção-Geral das Actividades Culturais (IGAC) ordenou o encerramento por falta de saídas de emergência em número adequado, falta de um sistema de detecção de incêndio, pela presença de materiais inflamáveis que tinham de ser substituídos, e ainda pela ausência de acesso para deficientes, entre outras causas apontadas na altura.
A Associação Cine-Cultural da Amadora, a quem o espaço estava subalugado desde 2000, ainda se dispôs a fazer as alterações necessárias para que o espaço pudesse voltar a abrir. Mas até hoje as condições impostas pela IGAC continuaram sem estar reunidas, ao mesmo tempo que a falta de verba para cumprir com todas as exigências legais, e que foram protelando a situação até agora, acabaram por conduzir ao encerramento definitivo.
"Não tenho dinheiro para reabrir e também o meu entusiasmo para lutar por um cinema marginal, que não é visto, também já não está disponível", desabafou Pedro Bandeira Freire, que se refere ao Quarteto como "um símbolo da cidade de Lisboa".
Excesso de burocracia
"Eu fiz o Quarteto no tempo da outra senhora. Hoje não conseguiria. É tudo muito burocrático. Peço uma audiência e ninguém tem tempo para me receber. No passado falava com qualquer director no próprio dia. Até com o Secretariado Nacional de Informação. Nem no tempo do salazarismo isto era tão difícil. Hoje está tudo em reuniões, não se chega a lado nenhum."
A vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Lisboa, Rosália Vargas, foi uma das responsáveis a que Pedro Bandeira Freire recorreu. Foi recebido, junto com representantes da Junta de Freguesia de Alvalade, que quiseram ajudar: "Estavam indignados. Achavam que aquele espaço não podia fechar." Lá foram todos à audiência. "Mas não mostraram vontade de o recuperar. Também não tenho a lata de pedir a uma Câmara Municipal em má situação financeira 80 mil contos [400 mil euros] para voltar a abrir o Quarteto."
Ao PÚBLICO, a vereadora Rosália Vargas disse que a Câmara de Lisboa não tem dinheiro para comprar o Quarteto: "E nem sei se a família proprietária o queria vender. Também o frequentei. Era como um clube de cinema. Sou sensível a este assunto e é uma pena se se perder o Quarteto. A Câmara de Lisboa gostaria de o preservar, ou pelo menos preservar a sua memória. O que podemos tentar fazer é classificar o espaço como de interesse cultural da cidade, impedindo que se altere o fim para que foi criado. Estamos a ponderar essa hipótese. Mas ainda não estabelecemos negociações."
"Fizeram-se aqui casamentos. Isto diz muito a uma geração. Foi um centro cultural muito importante. As entidades culturais deviam preocupar-se. Em todo o lado do mundo um espaço destes seria preservado. Há até ingratidão para com o Quarteto", diz Pedro Bandeira Freire sobre o espaço que trouxe para Portugal os primeiros filmes de Martin Scorsese, Jacques Rivette ou Jean-Luc Godard.»
O problema do Quarteto está a montante, ou seja, deriva do mercado de distribuição completamente distorcido, inclusive, com claro abuso de posição dominante, que se reflecte no mercado de exibição, a começar, claro está, pelas salas emblemáticas de bairro ... acresce que no caso do Quarteto, o mesmo passou das mãos sábias, mas cansadas, de Bandeira Freire para várias outras, sem estaleca, conhecimentos ou projecto. Acresce, ainda, que a IGAC não veio ajudar, antes pelo contrário, exigindo o cumprimento de regras, claramente violadas por outras salas, e, que o Quarteto não possui desde que abriu. Ou seja, salvo provas em contrário, a ordem de encerramento por incumprimento de normas 'comunitárias' terá resultado de denúncia (?). O problema do Quarteto não se resolve com classificação pela CML, mas poderá ajudar ... vamos aguardar.
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7 comentários:
Porque motivo as salas do Quarteto têm mais "interesse cultural" que as salas da Lusomundo no Colombo?
Constata-se que o público não aflui para as ditas salas de interesse cultural.
Este país anda a reboque de uma pseudo cultura de esquerda, restícios de revoluções mal vividas e assumidas.
"Porque motivo as salas do Quarteto têm mais "interesse cultural" que as salas da Lusomundo no Colombo?"
Talvez devido à programação???Se só se der ao público português aquilo que ele pensa que quer vais acabar com novelas da TVI a serem exibidas em salas de cinema, a juntar a todo o tele-lixo americano que já por lá anda....
As minhas escolhas televisivas são um assunto privado. Agradeço que não gastem o meu dinheiro a induzir-me escolhas de mau gosto. Pouco me importa que haja quem não goste da TVI e de filmes americanos.
Só há um problema, o mercado cinematográfico e televisivo globalizado, sem defesa da produção europeia, acabará por nos tornar culturalmente iguais aos americanos. Tu aceitas isso livremente, eu rejeito essa ideia - entristece-me passar a interagir na sociedade com pessoas com o nível cultural de uma ervilha....
Se um produtor concorre num mercado global, apenas tem de ser melhor.
Se sair de casa e for ver o mundo real, verá que as produções americanas são bastante procuradas, entre outras. E que as pessoas entram no cinema livremente. Mas o sr anonimo é livre de ir para as bilheteiras e usar a argumentação da ervilha para tentar demovê-las. Vê, ninguém lhe retira essa liberdade.
Uma amiga minha estava a ver um filme numa das salas do Q. (futuramente Karteto) quando lhes foi pedido para sair porque estava a arder o telhado. Não houve multidão em pânico porque estavam as dez ou doze pessoas da praxe.
Pode-se dizer que o Q. teve mérito, inaugurou a sala polivalente, com uma boa programação não inspirada a 100% por mercantilismo puro e teve o seu tempo.
O espaço, vamos lá, não era nada de especial, muito anos sessenta, cheio de estética funcionalista. Estava terminal em termos de frequentadores - sempre que eu lá ia, de tarde ou de noite não havia mais do que entre a seis a quinze pessoas por sala. E além disso estava muito perigoso.
Mas não foi o Q, que morreu, foram os espectadores de cinema que morreram.
Os sobreviventes mais rijos transferiram-se para a Cinemateca, que essa sim renasceu das cinzas, e conseguiu recriar-se com arrojo e elegância.
Quanto a ver cinema num Centro Comercial? As massas aderem e cheira muito a pipoca.
Em breve vão abrir templos e secções de voto nos Centros Comerciais e agências funerárias light. O ultimate em polivalencial.
Lá terão o seu ciclo de vida até serem ultrapassados. Entretanto há gente feliz, estável com os impostos em dia, a comer pipoca e a ver Bollywoods - se escolheram a leucotomia soft, problema deles, não é?
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