10/11/2008

Lisboa: a crise da democracia representativa e a cidadania (*)


In Público (9/11/2008)
António Sérgio Rosa de Carvalho

«Recentemente tomou lugar um encontro onde experientes figuras da história, cultura e gestão de museus denunciaram a ineficácia das instituições responsáveis no que respeita à preservação e gestão do património cultural em Portugal. Isto num momento em que a Europa confirma que, num mundo progressivamente globalizado, o prestígio e o valor único e insubstituível do património europeu constituem a grande fonte de identidade do continente e pólo de atracção privilegiado para o turismo cultural.
O que se espera de um presidente de câmara? Acima de tudo uma visão estratégica para a cidade que garanta continuidade e inovação no reconhecimento e aproveitamento dos seus potenciais e que transcenda durante o mandato as características e os "tiques" do aparelho político. António Costa, utilizando vários álibis, não conseguiu até agora cumprir nenhum dos pontos do seu elementar, modesto e medíocre programa. Por outras palavras, tem sido medíocre, mesmo quando avaliado perante a mediocridade do seu próprio programa. Não se sente uma visão, estratégia, ou linha condutora numa só área que seja...
Perdão! Aqui enganei-me... Tem brilhado como animal político e como homem do aparelho que vê a câmara como plataforma para outros voos futuros. Utilizando a imagem que acompanha este texto reflictamos sobre o caso da "domesticação" e assimilação de Sá Fernandes. Claro que o próprio vereador se tem demonstrado ansioso de integração e bom ouvinte da voz do seu mestre.
No entanto, o mestre não está lá, tal como a imagem demonstra. Não, está na Quadratura do Círculo a "politicar" em direcção à próxima etapa. Mas nós também temos estado nesta posição de ouvintes solícitos de alguém que se tem demonstrado ausente e inoperante para além da voz.
Reflictamos agora nas palavras do Presidente da República: "O que é vivido pelos cidadãos não pode ser iludido pelos agentes políticos." "Quando a realidade se impõe como uma evidência, não há forma de a contornar." Se avaliarmos neste contexto o mandato de Costa em áreas como a reabilitação urbana, o trânsito e estacionamento, os espaços verdes e os cuidados elementares de conservação e limpeza da cidade, que podemos concluir sobre aquilo "que é vivido por nós"? Certamente como algo que é fortemente erosivo para a credibilidade da democracia representativa.
No momento em que escrevo, o desfecho da "rábula" da possível candidatura de Santana Lopes à CML não é ainda conhecido, embora Manuela Ferreira Leite esteja sob escrutínio permanente. Esse escrutínio é determinado pelo facto de uma parte da opinião pública considerar Santana Lopes como alguém que, embora pretenda ter a impulsividade, vitalidade e audácia do "guerreiro", acaba sempre por sucumbir ao hedonismo do efémero, revelando a irresponsabilidade do "menino". O escrutínio é também determinado pelo facto de Manuela Ferreira Leite criar expectativas de rigor e determinação.
Apresentando uma fisionomia saída directamente dos painéis de S. Vicente, raça de navegadores habituados às travessias dos oceanos e dos desertos, espera-se dela que seja guardiã da credibilidade e que não contribua para a erosão da democracia representativa.Aguardam-se os acontecimentos. No entanto, o Presidente da República tem razões para estar preocupado.
Muitos, verdadeiramente interessados em Lisboa, na cidade e no seu futuro, sentem-se cada vez mais afastados e angustiados ponderam se irão mesmo votar. Esta crise está a levar ao fortalecimento da cidadania. Alguns políticos vêem aí uma nova oportunidade de pôr a voz a funcionar.
Esses tentam atravessar a fronteira da democracia representativa, inserindo a vitalidade, a espontaneidade e a liberdade da democracia participativa, "refrescando" os discursos políticos. Criando mesmo movimentos que pretendem ser de cidadania, mas que vão a votos. Ora, se há algo que defina a cidadania é que ela constitui uma plataforma cívica aberta, unindo os participantes apenas através dos temas. A cidadania exerce-se! A cidadania não vai a votos!
Constituem estas afirmações uma apologia para o estabelecimento de um cordão sanitário entre democracia representativa e participativa? Sim, para garantir a qualidade de ambas nas suas vocações específicas. Como condição imperativa para elas, verdadeiramente, através da dialéctica do diálogo crítico e construtivo conseguirem fertilidade e sucesso.
Historiador de Arquitectura»

(*) Foto cedida pelo autor, e que o Público, inexplicavelmente, não publicou

1 comentário:

Anónimo disse...

"a reabilitação urbana, o trânsito e estacionamento, os espaços verdes e os cuidados elementares de conservação e limpeza da cidade.."

Sim...neste mandato parece que não foram sectores com muito sucesso.
Mas uma pergunta honesta: Em que mandato pós 25 de Abril....é que algo disto funcionou BEM ?

JA