In Público (7/6/2009)
Por António Sérgio Rosa de Carvalho
«O anúncio de um acontecimento de relevo para o prestígio e a imagem do país tomou lugar praticamente desapercebido. Refiro-me à comprovação de que Guimarães irá ser a Capital Europeia da Cultura em 2012.
Guimarães é uma das únicas cidades portuguesas que apresentam um centro histórico completamente restaurado (em lugar de "recuperado") e completamente habitado. E aqui refiro-me a um conceito de reabilitação urbana rigoroso baseado no restauro e não num conceito vago de "recuperação" que permite todas as aventuras interpretativas, "criativas" e "modernas".
Assim, a reconstituição da imagem histórica foi conseguida, desenvolvendo um restauro de tipologias, portas, janelas, coberturas, interiores, com grande atenção para a autenticidade dos materiais, dos detalhes e pormenores, num exercício de ourivesaria patrimonial em cada edifício, transformando todo o conjunto numa grande jóia, agora reconhecida na sua qualidade.
Claro que, com uma estratégia de repovoamento integrada, aqui temos a receita para a auto-estima das populações, a identidade local, o prestígio do reconhecimento internacional. Para o conseguir foi necessário um planeamento. O desenvolvimento de uma carta de princípios e regras a seguir para todo o centro, capaz de garantir coerência na diversidade e unidade na variedade. Tudo aquilo que Lisboa não tem.
Além da destruição sistemática da Lisboa romântica a que se tem vindo a assistir, determinada pelos eleitos e com a indiferente conivência do Igespar, depois do anúncio pela sr.ª prof.ª Raquel Henriques da Silva, em conferência, que o projecto da candidatura a Património Mundial estava morto e enterrado, a Baixa, além de abandonada e apodrecida, encontra-se à deriva. Isso é bem visível, aliás, nas intervenções na Baixa, onde cada um faz o que quer.
No entanto, e curiosamente, a Câmara de Lisboa tem ao longo dos anos acumulado uma experiência patrimonial em conhecimento estético e técnico, através do trabalho das suas Unidades de Projecto nos bairros históricos, inegável.
Com efeito, as intervenções das Unidades de Projecto no edificado histórico, no meio do caos e da confusão de valores, determinada pela ausência de arquitectos especializados exclusivamente no restauro, que tem caracterizado as intervenções no geral, sobressaem pela positiva, pois são aquelas em todos os aspectos que mais se tem aproximado duma atitude de restauro.
Mas, infelizmente, esta sabedoria não tem sido aproveitada de forma contínua, coerente e independente, pois as chefias que controlam as mesmas unidades variam com os ciclos políticos.
Tomando assim lugar o conhecido e desesperante fenómeno da "reinvenção" do país em cada ciclo político, com as conhecidas consequências desmotivadoras e efeitos perversos de esbanjamento irresponsável de recursos financeiros e humanos.
Voltando ao Igespar, poder-se-á perguntar: depois da integração da DGMN no inoperante Ippar, criando o pesado paquiderme a que se chama Igespar, qual o resultado na eficácia? Para mais sabendo que a inoperância e a grave falta de efectividade é agravada, em cada ciclo político, pela "reinvenção da pólvora" num processo afirmativo, apenas com objectivos políticos, num método de tabula rasa.
Quanto tempo poderá aguentar o país ainda este estado de coisas?
Enquanto isso, por cada viagem que fazemos à Europa, ao nos serem revelados centros históricos magníficos na sua qualidade de conservação e restauro, cidades ocupadas e vividas, em plena habitação, com pulsantes dinâmicas culturais e actividades económicas, trazemos incrédulos como troféus imagens que exibimos aos amigos, como se vivêssemos noutro continente, noutro planeta, noutra galáxia.
Historiador de Arquitectura »
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