04/02/2013
Acabaram-se as noites de música nas Catacumbas do Bairro Alto.
Acabaram-se as noites de música nas Catacumbas do Bairro Alto
Por Cláudia Sobral in Público
No princípio, era um café de bairro, chamado Malita. Na década de 1980 deixou-se conquistar pelo jazz e foi as duas coisas ao mesmo tempo. Meio século depois, a decisão de fechar. Este sábado foi o último
Era uma noite normal, mais uma jam session no Catacumbas. De repente, Manuel Pais viu entrar um grupo de negros que lhe pareciam saídos de Harlem, Nova Iorque. Estavam com um cliente habitual do bar que decidiu levá-los ali. Eram de Nova Orleães e estavam em Lisboa porque no dia seguinte tocaram na Festa do Avante. "I think we are going to play too", disse um deles. E os músicos que lá estavam deram-lhes a vez. E as mulheres decidiram dançar: afastaram-se as mesas e era Nova Orleães que estava ali, naquele bar de jazz do Bairro Alto.
Não é o único episódio do género que Manuel Pais (Catman) guarda de todos os anos em que esteve à frente do Catacumbas Jazz Bar, no Bairro Alto, que fechou neste fim-de-semana, com duas noites dedicadas ao jazz e ao blues. "Passou por lá para uma jam session muita gente que vinha para tocar em concertos maiores", recorda JP Simões.
Ao mesmo tempo, era "um sítio muito aberto a todo o tipo de músicos", mesmo os menos experientes, diz Petra Pais, com Catman uma das vozes de Nobody"s Bizness, banda que nasceu no Catacumbas. Muitos deram os primeiros passos naquele bar. Como ela própria. Tinha pouco mais de 20 anos, trabalhava num restaurante do Bairro Alto e acabava muitas noites naquele bar. Numa dessas vezes um amigo disse "ela canta" e ela não pôde dizer que não. E afinal correu tão bem que Manuel Pais a convidou para cantar com ele. Primeiro estiveram juntos em Mojo Hand, agora em Nobody"s Bizness.
"Na altura não havia as escolas de jazz que há hoje, era muito difícil para quem queria começar", diz Manuel Pais. "E até hoje continuo a ter músicos jovens."
A sala de baixo do Malita
As memórias de Petra Pais são de um passado recente, já depois da reconversão do Catacumbas, em 1998. O princípio desta história está no final da década de 1940, quando Manuel Pais (não Catman, o pai) chegou do Alentejo para trabalhar no Bairro Alto. Tinha 14 anos. Passou por vários cafés até abrir um seu, em 1963. Chamava-se Malita. No início dos anos 80, o filho, com os seus 18 anos, começou a tentar criar um espaço para um outro público, mais jovem, numa sala de baixo.
Foi na altura em que uma nova geração se apoderava do Bairro Alto, até então frequentado por prostitutas, marinheiros e gente do jogo. "Comecei a pôr umas fotografias de autores portugueses nas paredes, uma aparelhagem para um som de fundo, umas luzes mais escuras, para um ambiente mais underground."
Começaram a aparecer os artistas, os jornalistas (na época aquele ainda era o bairro dos jornais). E foram os clientes que baptizaram a sala de baixo do Malita de "Catacumbas". No princípio era o rock, depois - à medida que Manuel Pais foi descobrindo outros géneros - o jazz e o blues começaram a tomar conta daquelas noites. Na sala de cima, o Malita continuava a funcionar.
Bairro velho, bairro novo
A separar o café do bar havia umas portas de vaivém de que ninguém se esquece. "Era muito engraçado porque era uma tasca autêntica de bairro, como tantas outras. Mas depois havia uma portinha e de repente estávamos nas Catacumbas", recorda Vítor Junqueira, cliente habitual nos anos 80, para quem o Catacumbas bar teve um papel importante na afirmação do Bairro Alto como espaço de diversão nocturna.
"Tínhamos ali o Bairro Alto mais antigo, das tascas, e ao mesmo tempo, no mesmo sítio e sob a mesma gerência, tínhamos já um Bairro Alto novo, um bar com uma decoração completamente diferente, mais moderna." Até ao dia da mudança.
Em 1998, o Malita deixou de existir - os clientes dispersaram-se pelos outros cafés da vizinhança - e todo o espaço passou a bar de jazz e começou a ter música ao vivo. A entrada mudou da Rua da Rosa para a Travessa da Água-da-Flor e foi assim que o Catacumbas chegou aos dias de hoje.
Há não muitos dias, Manuel Pais publicou no Facebook uma espécie de carta de despedida, em que era anunciada a última noite do Catacumbas, meio século depois de o seu pai ter ali aberto o Malita. No mesmo espaço haverá um novo bar, de outras pessoas. Mas que não será de jazz nem de música ao vivo.
"As pessoas perguntam porquê, porquê", diz-nos Manuel Pais. Por tudo, responde: "A crise, uma certa insatisfação com aquilo que é o público do Bairro Alto, também algum cansaço da minha parte, querer parar um pouco." Nas noites de sexta-feira e de sábado houve jazz e blues, bar cheio, muitos amigos. Foram as últimas. Acabou-se a música nas Catacumbas do Café Malita.
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2 comentários:
O antigo público do Bairro Alto ou já não sai à noite ou mudou-se para o Cais do Sodré e/ou Príncipe Real. Restam os turistas low-cost e os adolescentes sem dinheiro. A alma do Bairro morreu e a culpa é de muita gente, mas sobretudo dos proprietários dos espaços que acharam que o seu negócio seria exclusivamente de baldes de alcool baratos.
A alma que este bairro possui e que fez com que eu escolhesse, (à décadas) esta zona para viver, nunca foi caracterizada pela imundice que o Bairro se tornou nos últimos anos!
Se a alma dos porquinhos que chegaram mais tarde está a desaparecer, só tenho que saudar os responsáveis por estas novas medidas!
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