22/02/2014

Um plano de revitalização e uma mão cheia de propostas para travar a "degradação" do Areeiro

A criação de ligações entre os quarteirões através dos logradouros e a construção nesses espaços de equipamentos são algumas das propostas de um grupo de residentes e trabalhadores nesta zona de Lisboa.
Por Inês Boaventura, Público de 22 Fev 2014

Foto de Daniel Rocha


Um comerciante, uma professora de arquitectura do Instituto Superior Técnico (IST) e dois moradores, um deles arquitecto e a outra socióloga, uniram esforços e apresentaram à Câmara de Lisboa uma proposta para que seja definido “um plano de revitalização” para o território da antiga freguesia de São João de Deus. O objectivo, explicam, é “inverter o processo de abandono e degradação” da zona.
A iniciativa começou a ganhar forma em Setembro de 2013, quando os autores da proposta se juntaram numa acção promovida pelo Movimento de Comerciantes da Avenida Guerra Junqueiro, Praça de Londres e Avenida de Roma, por ocasião da Semana Europeia da Mobilidade. “Conhecemo-nos, começámos a falar e ficámos com a sensação de que era possível fazer qualquer coisa, envolvendo instituições como o IST, moradores e comerciantes”, explica Carlos Moura-Carvalho, proprietário da Mercearia Criativa.
Dois meses depois, a reflexão que fizeram deu origem a um documento de oito páginas, que enviaram ao presidente da Câmara de Lisboa e ao vereador do Urbanismo, Manuel Salgado. Nele, Carlos Moura-Carvalho, Teresa Valsassina Heitor, João Appleton e Sandra Marques Pereira elencam os pontos fortes da zona (entre eles o seu valor histórico e arquitectónico e a qualidade de construção), bem como os problemas de que sofre (como o declínio populacional e o fecho de lojas que dão lugar a outras, “desvalorizadoras”).
Aquilo que os quatro propõem é que seja elaborado um documento de “caracterização” da área da “Avenida Guerra Junqueiro, Praça de Londres, Avenida de Roma e vias envolventes”, no seguimento do qual se possam “identificar os problemas-chave que se devem enfrentar nas propostas de revitalização e requalificação” deste território.
“Não se pretende uma coisa académica, mas sim participativa, acessível à maior parte das pessoas”, frisa Carlos Moura-Carvalho, defendendo que depois de concluído esse estudo será possível passar à acção “no curto prazo”. Poder-se-á até, diz Teresa Valsassina Heitor, constituir toda a zona ou apenas parte dela como um projecto piloto, no quadro de uma intervenção que poderá depois ser alargada.
A professora universitária lamenta que esta área da cidade tenha vindo a ser “negligenciada” pela Câmara de Lisboa e sublinha que ela “teria todas as condições” para se afirmar como um bairro “urban friendly”. No fundo, aquilo que agora se pede ao município, resume a socióloga Sandra Marques Pereira, é que tenha “uma visão antecipativa” que “previna o fim de vida” da zona, passadas seis décadas da construção dos primeiros edifícios e da fixação dos seus moradores originais. 
A conversa com o PÚBLICO começou numa esplanada na Avenida Guerra Junqueiro e prolongou-se por um passeio demorado pelo território da antiga freguesia de São João de Deus, que se fundiu com a do Alto do Pina, ganhando a designação de Areeiro. Ao longo do caminho, foram várias as paragens, boa parte das quais em alguns dos muitos logradouros existentes no interior dos quarteirões.
Para esses logradouros, muitos actualmente transformados em parques de estacionamento mais ou menos ordenados, não faltam ideias. “São áreas com um enorme potencial”, sublinha João Appleton, apontando a possibilidade de criação no seu interior de espaços de trabalho ou equipamentos “úteis” para a comunidade local, como por exemplo creches. “Não têm de ser coisas impactantes, intensivas”, apressa-se a explicar o arquitecto, antecipando as críticas que a sua proposta poderá gerar.
Hoje os logradouros, considera João Appleton, “são tão pouco conhecidos que nem são espaços públicos”. É por isso que o arquitecto sugere que neles sejam feitas aberturas, que possibilitem o seu atravessamento e a ligação entre diferentes quarteirões. Como acontece já no Jardim Fernando Peça, que une a Avenida de Roma e à Avenida João XXI, e cuja área verde e parque infantil têm grande utilização.
“Os logradouros não são do conhecimento geral do passante, são um elemento a explorar”, corrobora Teresa Valsassina Heitor. A arquitecta e professora universitária diz ainda que “o ambiente de traseiras” que existe nesses espaços “hoje não é hostil, tornou-se confortável”, com os seus elementos da vida doméstica, incluindo a roupa a secar.
Outra hipótese colocada pelo grupo é a de os edifícios desta zona possam ser repensados, por exemplo estudando-se a hipótese de divisão dos fogos de grandes dimensões, para atrair novos e diversos moradores. E, acrescenta Sandra Marques Pereira, promovendo-se a “refuncionalização” de algumas áreas, como os antigos quartos das criadas que para muitos já não farão hoje sentido.
As “propostas a explorar” apresentadas à Câmara de Lisboa incluem também o estudo da vulnerabilidade sísmica dos edifícios e dos revestimentos e acabamentos decorativos presentes nas suas fachadas e interior, “tendo em vista a sua conservação e manutenção”.
É uma zona com uma qualidade urbanística e arquitectónica que interessa preservar”, resume Teresa Valsassina Heitor, lembrando que foi neste território de Lisboa que “o modelo de vida moderna urbana” foi posto em prática pela primeira vez numa perspectiva de bairro.  
Londres na Assembleia Municipal
A petição do Movimento de Comerciantes da Avenida Guerra Junqueiro, Praça de Londres e Avenida de Roma defendendo que o antigo cinema Londres deve ser convertido num pólo cultural vai ser discutida na Assembleia Municipal de Lisboa na terça-feira. Carlos Moura Carvalho, um dos rostos do movimento, acredita que se o plano de revitalização agora proposto (e que a Câmara de Lisboa disse aos seus autores estar a avaliar) fosse já uma realidade, a hipótese de o espaço ser transformado numa loja deprodutos chineses poderia nem sequer ter emergido.

2 comentários:

Anónimo disse...

100% de acordo.
Mãos à obra.
Esperemos que a CML colabore e não crie obstáculos.

Anónimo disse...

por favor, mais estudos não! deixa-me adivinhar o que se vai passar se isto for avante. a CML vai encomendar o estudo, pago certamente, e quem melhor do que estes proponentes para fazer o estudo? o estudo depois de feito e pago será guardado numa gaveta como tantos outros. ninguém irá beneficiar dele a não ser os proponentes virados consultores que foram pagos e bem.

sugiro que comecem por fazer os trabalhos de casa... será que o estacionamento selvagem nos passeios dentro do IST já é uma coisa do passado?