O número 70 da Avenida Duque de Loulé é um edifício carregado de memórias da vida artística e literária da cidade. Nele funcionaram redacções de jornais, revistas e nasceu uma editora. Está à venda, com outros sete prédios, dos quais apenas ficará a fachada. Há vozes críticas a este tipo de intervenção.
Do edifício da Avenida Duque de Loulé 70, onde morou a fadista Hermínia Silva e onde funcionou durante anos a delegação do Jornal do Fundão, restará apenas o cenário da fachada, se for por diante a ideia do proprietário, que o colocou à venda. O edifício é parte integrante de um conjunto de oito imóveis de finais do século XIX e princípios de XX a alienar de uma só vez, segundo um projecto de reabilitação que prevê a manutenção de fachadas e a demolição e renovação dos interiores.
“Inacreditável. É incrível o que estão a fazer ao património da cidade. Qualquer dia esta avenida é só cenário”, comentou um antigo morador da Avenida Duque de Loulé, ao ver o cartaz afixado pela consultora imobiliária Cushman & Wakefield no prédio agora à venda. “Vi muitas vezes de lá sair a Hermínia Silva, que ali morava. E ali funcionava também a delegação do Jornal do Fundão”, contou ao Corvo António Infante.
[ ...] Actualmente, e apesar de estar à venda, ele apresenta-se de janelas esventradas, algo que não ajuda seguramente à sua preservação. O anúncio em que, de uma assentada se colocam à venda estes oito prédios da zona da Duque de Loulé está online, na página da consultora imobiliária Cushman & Wakefield, intermediária do dono dos imóveis. Mas é também bem visível para quem passe naquela zona da cidade, pois consta nas grandes telas afixadas nos prédios – ao nº70 da Avenida Duque de Loulé junta-se uma fiada de quatro prédios da Rua do Andaluz e mais três no Largo das Palmeiras.
Todos se situam num mesmo quarteirão, mas a sua implantação é descontínua e separada em três blocos – algo que o projecto apresentado pelo proprietário à Câmara Municipal de Lisboa pretende alterar, criando um embasamento comum aos oito edifícios, reunidos para uma só intervenção. De acordo com a Cushman & Wakefield, o projecto tem “uma área bruta de construção de 12.067 metros quadrados”, repartida por “três lotes resultantes de emparcelamento dos oito prédios urbanos divididos em habitação, hotel e escritórios e com 258 lugares de estacionamento”. “O projecto chegou a ser aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa e a ter licença. Mas ela caducou, antes de se efectivar a venda. A maioria dos candidatos à compra pretende manter as fachadas. Até porque, no caso do edifício da Duque de Loulé [demolir a fachada] seria criminoso” disse ao Corvo fonte da Cushman & Wakefield.
Largo das Palmeiras
Outro dos edifícios de que só ficará a fachada, no Largo das Palmeiras
E agora, de acordo com a mesma fonte, “há várias opções para os possíveis compradores dos imóveis – que o proprietário chegou a admitir vender separadamente, mas que quer afinal vender em conjunto. Ou aproveitar o projecto existente e introduzir algumas alterações, ou começar da estaca zero e apresentar novo projecto à câmara”.
Crítico desta forma de intervir na cidade consolidada mostrou-se já o movimento Fórum Cidadania Lx, que pediu esclarecimentos ao vereador com o pelouro do urbanismo, Manuel Salgado. [...] Para o movimento de cidadãos, estes “edifícios merecem ser preservados e reabilitados de forma cuidada, sem recorrer a “reabilitações” travestidas de construções novas – solução fácil tão do agrado dos promotores imobiliários assim como dos sucessivos executivos camarários”. [...]
O Corvo colocou a questão ao gabinete do vereador Manuel Salgado e tentou apurar se existem condicionantes impostas pela Câmara às intervenções previstas para a zona da Avenida Duque de Loulé, mas até segunda-feira à tarde “os serviços não conseguiram dar resposta à questão, que têm de analisar”, disse fonte do gabinete de comunicação da Câmara Municipal de Lisboa.
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6 comentários:
Se o jornalista Mário Crespo não se tem reformado, o Zé que fazia falta já lá tinha ido fazer queixa dessas pouca-vergonhas todas.
Tenho a certeza abissoluta.
Deixem-nos ficar assim até o próximo sismo os deitar todos abaixo.
Só cá faltava, na colecção de cretinices, a história do sismo.
Lisboa é hoje um barco sem rumo.
- do património à noite, da famigerada reabilitacao à qualidade de vida que oferece aos moradores, a cidade é uma manta de retalhos.
O ritmo das demolicoes de palácios, prédios, edíficios históricos é alucinante. O rebentamento de fachadas para cosntruir garagens, as ameacas que pesam sobre pracas com a eventual construcao de parques subterrâneos, a colocacao de mobiliário urbano de gosto duvidoso, tornam Lisboa uma cidade que perde património todos os dias. A CML é ela própria promotora deste descalabro. Autoriza obras e nao envia equipas de fiscalizacao, deixa prédios a cair e nao enfrenta a especualcao dos fundos imobiliários. Lisboa está a navegar à vista.
Lisboa é a cidade do futuro. Neste documento é referida umas 100 vezes:
http://www.atkearney.com/documents/10192/4461492/global+cities+present+and+future-gci+2014.pdf/3628fd7d-70be-41bf-99d6-4c8eaf984cd5
Caro Paulo,
obrigado por demonstrar, com um cinismo mais do que perspicaz, que Lisboa está a ser cada vez mais esquecida no tabuleiro do jogo internacional da influência e prestígio.
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