Arq. Manuel Salgado
Na sequência das declarações de V. Exa. à imprensa, em Julho passado, dando conta de que "são precisos oito mil milhões para reabilitar e conservar Lisboa", sendo uma das áreas críticas, na sua perspectiva, e bem, a zona das Avenidas Novas; solicitamos o melhor interesse de V. Exa. para:
1. A necessidade da CML produzir, finalmente, o tão aguardado e necessário Regulamento para o Bairro Azul, que está por produzir pelos Serviços da CML desde que o mesmo foi classificado como Conjunto de Interesse Municipal em Junho de 2009.
Recordamos que a inexistência de tal Regulamento tem permitido a continuação de uma séria de descaracterizações, que se traduzem na desfiguração de várias fachadas e de muitos dos interiores dos edifícios abrangidos pela classificação, por via da colocação de elementos espúrios, destruição de estuques, substituição de candeeiros e elementos decorativos dos “hall” e das escadas, etc., bem como pela substituição anárquica das caixilharias (em madeira e ferro) dos vãos, alteração de clarabóias originais, bem como pela ocupação ilegal de logradouros, e a instalação de esplanadas sem cuidado pela estética do Bairro, etc.
2. Solicitamos a V. Exa. que esse Regulamento tenha por objectivo:
a) A preservação da arquitectura do Bairro Azul, do tipo de ocupação, dos seus elementos técnicos e decorativos (cércea, tipologia de apartamento, materiais e desenho de fachadas e interiores, logradouros), valores patrimoniais que no seu conjunto diverso mas coerente levaram precisamente à sua classificação, pugnando por:
· Planear a demolição dos acrescentos ilegais que existem em algumas das coberturas e varandas de edifícios da área classificada (marquises, aparelhos de ar-condicionado, etc.);
· Regulamentar as obras de alterações de interiores, proibindo as que desvirtuem seriamente os projectos originais, como sejam a destruição da organização interna com demolições de paredes (ex: fecho de comunicações entre marquises, entre escada e quarto independente, etc) assim como a obstrução dos tectos de estuques Art Deco com novos tectos falsos, e a substituição das portas de madeira maciça originais;
· Organizar a informação, sensibilização e incentivo aos proprietários para que as caixilharias dos vãos sejam, preferencialmente, em madeira e côr azul (após devida pesquisa das cores originais), com portadas interiores de madeira, sem estores de caixa exterior;
· Manutenção das portas e montras originais, com eventual reconstituição das que já tenham sido destruídas, incluindo as ferragens e os puxadores;
· Organizar a informação, sensibilização e incentivo aos proprietários para que os átrios e as escadas sejam devidamente mantidos, com as madeiras, cantarias, e corrimãos de origem, assim como as grelhas de ventilação em metal cromado(replicadas nos casos de furto), e especial atenção devemos dar aos candeeiros dos átrios e das escadas (nos casos já desaparecidos por furto ou alteração, promover a substituição por replicas ou modelos que melhor se integrem na estética Art Déco/Modernista do Bairro);
· Organizar a informação, sensibilização e incentivo aos proprietários para que as clarabóias e as marquises sejam conservadas e mantidas em ferro e vidro, reproduzindo o desenho original, caso se verifique que o seu estado é irrecuperável; e se mantenham e recuperem as escadas de incêndio originais, ou, caso as mesmas estejam irrecuperáveis, por réplicas o mais próximas possíveis.
b) Promover uma séria reflexão sobre a melhor forma de integrar elevadores nestes edifícios, para que se evitem impactos negativos no espaço das caixas de escadas como se tem vindo a assistir nos últimos anos (ver péssimo exemplo instalado no edifício da Rua Ramalho Ortição, 5). (A este propósito sugerimos à CML que desafie os cidadãos através de um concurso de ideias para a concepção de elevadores nos logradouros como alternativa, por exemplo, em colaboração com a Trienal de Arquitectura.)
c) A desocupação dos logradouros.
Sobre este particular, sugerimos à CML o arranque de experiências-piloto nos logradouros das traseiras dos edifícios da Rua Fialho de Almeida (nºs pares) e da Av. Ressano Garcia (nºs ímpares), incentivando a demolição dos abarracados de alguns deles, e permitindo que os mesmos voltem a ser verdes, pela não impermeabilização dos solos, promovendo a arborização, com árvores de médio porte, pequenas hortas e jardins. d) Promover a retirada dos cabos das fachadas, das diversas operadoras de telecomunicações que poluem visualmente todo o Bairro.
e) A requalificação dos cafés e restaurantes, e das respectivas esplanadas e/ou "amarquisados", designadamente disciplinando a ocupação do espaço público, assim como qualificando esteticamente através do uso de toldos neutros, sem publicidade, mobiliário de qualidade (ex: cadeiras de modelo “Gonçalo”); deve ser estudada também uma forma de delimitar fisicamente as esplanadas (ex: recurso a vasos com flores/arbustos).
f) A requalificação dos toldos e reclames dos estabelecimentos comerciais do Bairro, com recurso a regras com critérios estéticos mais exigentes, evitando assim o caos criado por modernizações administrativas bem-intencionadas mas mal calculadas como o "Licenciamento Zero"; bairros classificados como este não podem continuar a ser sujeitos aos males provocados pela ausência de critérios de materiais e cores.
3. Finalmente, alertamos V. Exa. e os Serviços do Pelouro do Urbanismo para a necessidade de obras URGENTES na recuperação dos edifícios da Rua Fialho de Almeida, nº 6 e nº 18 (este edifício tem partes da fachada a tardoz a ameaçarem ruir), Av. Ressano Garcia, nº 9 e nº 33, e Avenida António Augusto de Aguiar, nº 173 (autoria Arq. Norte Júnior), uma vez que os mesmos se apresentam em avançado estado de degradação pondo em perigo a segurança de pessoas e bens.
O Bairro Azul é um conjunto urbano de grande valor cultural, uma mais-valia para as futuras gerações que todos temos a obrigação de salvaguardar - e esse trabalho tem de ser feito por todos nós e agora.
Na expectativa, subscrevemo-nos com os melhores cumprimentos
Paulo Ferrero, Bernardo Ferreira de Carvalho, José Filipe Soares, Inês Barreiros, Jorge Santos Silva, João Oliveira Leonardo, Fernando Jorge, Júlio Amorim, João Pinto Soares, Paulo Lopes, Alexandre Marques da Cruz, Virgílio Marques, Luís Marques da Silva, Miguel de Sepúlveda Velloso
C.c. PCML, AML, JFAV e Media
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