C.C. PCML, AML, DGPC, JF e media
Como é do conhecimento de V. Exa., a reabilitação urbana promovida pelos Serviços da CML durante o período 2007-2019, traduziu-se em números impressionantes no que se refere a demolições de edifícios de finais do século XIX, princípios do XX, um pouco por toda a cidade, descaracterizando bairros até aí preservados ou pouco atacados na sua autenticidade, como sejam os casos de Campo de Ourique, Estrela, Lapa, Madragoa, Chiado, Picoas, Estefânia, para já não mencionarmos a zona da Avenida da Liberdade e as Avenidas Novas, cuja amputação começara há algumas décadas.
Assim, calculamos que tenham sido demolidos, total ou parcialmente, desfigurando-os significativamente, mais de 300 edifícios, compreendendo palacetes, vilas e pátios operários, prédios de rendimento, exemplares da arquitectura industrial, etc., etc.
Cumpre por isso, cremos, mudar o paradigma da política de reabilitação urbana da CML, para novas e boas práticas, em que não se materialize o entendimento de que basta manter-se a fachada como sinónimo de que uma cidade está a ser reabilitada.
É possível adaptar o edificado desse período construtivo, de que Lisboa já foi rica, às novas funções e exigências de uma vida moderna, sem destruir os interiores dos apartamentos, sem ampliar 2-3 pisos, sem destruir os seus logradouros, sem descaracterizar o quarteirão, o bairro. É possível, não é tão caro quanto nos iludem ser, e há mercado para essas casas.
Com a entrada em funções de V. Exa., cremos ser oportuno chamarmos a atenção especial do novo Vereador do Urbanismo da CML, para a antiga residência de Francisco Soares da Silva, junto ao Jardim das Amoreiras, e para o pedido de licenciamento de projecto de ampliação com demolição integral dos interiores (processo nº 2008/EDI/2019), que entrou recentemente na CML para apreciação dos Serviços que V. Exa. agora tutela.
Com efeito, o projecto de arquitectura da autoria do arq. Pedro Carrilho, tem tudo quanto defendemos dever ser recusado por uma política de reabilitação que não se reveja no fachadismo promovido nos últimos 12 anos: interior todo demolido, ampliação de um piso em mansarda, caves de estacionamento, regularização da fachada sobre a garagem.
O edifício em apreço, sito na Travessa das Águas-Livres, nº 6-12, é tão só a casa de Francisco Soares da Silva, conhecido industrial da cidade de Lisboa (http://www.lojascomhistoria.pt/lojas/francisco-soares-da-silva), que resulta da extraordinária adaptação, em 1912, de uma construção de origem pombalina de dois pisos que então detinha na esquina da Travessa das Águas Livres, com projecto do então conhecido arquitecto António do Couto de Abreu (1874-1946), que fora primeiramente discípulo de Miguel Ventura Terra nas obras do Palácio das Cortes em S. Bento, trabalhando posteriormente com Arnaldo Adães Bermudes, de quem chega a ser sócio no projecto do monumento ao Marquês de Pombal, e que ficou conhecido mormente pelos já demolidos Palacete Empis, Prémio Valmor de 1907, e Casa João António Henriques Serra, Menção Honrosa do Prémio Valmor de 1909, e este projecto na Travessa das Águas-Livres.
O edifício, na realidade dois edifícios, encontra-se praticamente intacto, ainda que com algumas divisões em mau estado de conservação, mas passíveis de plena recuperação.
Aliás, esse é um ponto em que não cremos haja justiça neste projecto que contestamos: o levantamento fotográfico apresentado no projecto em apreço; uma vez que só são mostradas fotografias das áreas em mau estado de conservação (devido às infiltrações), mormente o sótão e a garagem. As restantes fotos são do 1º andar, cujo interesse decorativo é nulo. E não nos parece que haja nenhuma fotografia ilustrativa do piso nobre, o 2º andar, que era a habitação do proprietário, e que certamente manterá ainda estuques. Trata-se, a nosso ver, de uma forma de manipular a opinião de quem decide a favor da demolição dos interiores do edifício.
Por considerarmos que existe valor histórico e arquitectónico no edificado, apresentámos um requerimento à DGPC, em Junho passado, com o propósito de que esta procedesse à abertura da sua classificação, pelo que estranhamos que os serviços daquela ainda não tenham dado andamento ao processo, e mais estranhamos a apresentação deste projecto à CML, 5 meses sobre o nosso requerimento à DGPC.
Resumindo, consideramos que a eventual aprovação pela CML do presente projecto do arq. Pedro Carrilho, será uma nefasta para a cidade de Lisboa, porque consubstanciará o continuar de uma repetida má prática que se traduziu no arrasar dos edifícios da chamada “Arquitectura de Transição”, e, na circunstância, de um edifício sui generis e histórico, e que no seu todo vai contra as boas práticas de conservação e restauro, descritas em cartas internacionais, e reconhecidas pelas autoridades em Portugal.
Mais a mais tratando-se, como se trata, de um edifício supostamente protegido pela regulamentação camarária, em virtude de constar da Carta do Património anexa ao Plano Director Municipal, item 46.06 Conjunto arquitetónico / Praça das Amoreiras, 2 a 8, 25 a 32, 34 a 48 e 49 a 59, Trav. das Águas Livres, 2 a 8 e 10 a 14, Trav. da Fábrica dos Pentes, 2 a 6 e 3 a 9, Rua João Penha, 13 a 15 e 16 a 32 e Trav. da Fábrica das Sedas, 1 a 49 • (Antigo) Bairro Fabril das Amoreiras.
Pelo exposto, apelamos a V. Exa., senhor Vereador, para que atente neste projecto e evite o continuar de um entendimento erróneo do que deve ser a Reabilitação Urbana, e com isso se possa inverter uma política urbanística que consideramos não só retrógrada e atentatória ao património da cidade, que é de todos, como contrária ao espírito do Plano Director Municipal em vigor.
Na expectativa, apresentamos os melhores cumprimentos
Paulo Ferrero, Bernardo Ferreira de Carvalho, José Pedro Tenreiro, Miguel de Sepúlveda Velloso, Júlio Amorim, Helena Espvall, Jorge Pinto, Inês Beleza Barreiros, Luís Serpa, Filipe Teixeira, Rui Pedro Martins, André Santos, Virgílio Marques, Alexandre Marques da Cruz, Henrique Chaves, José Maria Amador, Pedro Fonseca, Jorge Santos Silva, Miguel Jorge, João Oliveira Leonardo, Maria Maia, Beatriz Empis
1 comentário:
É um dos imóveis mais interessantes da zona. Impossível passar por ali sem reparar nele. Como fica abrutalhado com a cobertura de zinco à pato bravo contemporâneo e o revestimento de pedra junto à rua! Este é daqueles casos em que a opinião CML só é manipulável se quiser. É como um construtor dizer que tem que destruir um jardim porque senão precisa de gastar muito dinheiro a cortar a relva e o prédio não é rentável. Pedir para fazer uma coisa destas num sociedade civilizada dos dias de hoje devia implicar o registo fotográfico de todo o interior, pela câmara, para ser colocado online para memória futura. É estruturalmente criminosa esta demolição da cidade atrás do pano, isto é, da fachada. Agora a questão é que há clientela boçal o suficiente para desejar viver em edifícios maravilhosos tornados em dejectos da indústria imobiliária.
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