17/04/2012

Ligação da Alta de Lisboa à Segunda Circular está encalhada em tribunal



O viaduto de Camarate está assim desde 2006 e poderá assim continuar durante mais alguns anos

Por José António Cerejo in Público

Há três anos, António Costa prometeu a abertura das duas principais vias da Alta de Lisboa em 2009 e 2010. Uma delas está na mesma, mas agora em tribunal. A outra tem menos de 15% prontos, mas fechados


As obras da Avenida Santos e Castro, via com perfil de auto-estrada que deverá ligar o Eixo Norte-Sul à Segunda Circular, lateralmente à Alta de Lisboa, estão quase prontas há seis anos. Mas nunca lá passou um carro. O Eixo Central deste megabairro da freguesia do Lumiar, uma alameda urbana quase paralela à Santos e Castro que deverá igualmente ligar à Segunda Circular, tem tido várias promessas de conclusão, mas possui menos de 15% da extensão acabada. Para articular as duas vias com a Segunda Circular e com o Campo Grande está prevista há perto de 20 anos a construção da chamada Porta Sul. Mas nem a prometida solução provisória começou a ser construída.
A imagem do viaduto que acaba em ferros suspensos no vazio, à entrada de Camarate, na fronteira entre os concelhos de Lisboa e Loures, não é nova. O que é novo para quem acompanha o folhetim da Santos e Castro é que essa imagem poderá manter-se actual por muitos anos. Apesar de o presidente da Câmara de Lisboa, António Costa, ter afirmado ao jornal i em Outubro de 2009, dias antes da sua reeleição, que a Santos e Castro estaria pronta em Março de 2010, e de o seu vice-presidente, Manuel Salgado, ter dito meses antes que isso aconteceria no fim de 2009, o viaduto está hoje tal como estava nessa altura. Pior do que isso: ninguém sabe quando é que o problema se poderá resolver.
Com cerca de três quilómetros e três vias em cada sentido, a avenida corre junto à vedação dos terrenos do aeroporto e começou a ser construída em 2003, no âmbito do contrato existente entre a Sociedade Gestora do Alto do Lumiar (SGAL) e a Câmara de Lisboa. A sua conclusão foi anunciada para o final 2004, mas os trabalhos prolongaram-se até 2006, altura em que foram interrompidos devido a vários problemas com a expropriação dos terrenos necessários à obra.
Um deles prendia-se com uma pequena parcela, à entrada de Camarate, cuja aquisição não tinha sido assegurada pela Câmara de Lisboa e cujo proprietário impediu a construção, no seu terreno, de um pilar indispensável ao acabamento de um dos tabuleiros do viaduto ali em execução. Um outro tinha que ver com os terrenos onde estão as instalações da empresa José Ruela Ld.ª, na Charneca do Lumiar, e que eram imprescindíveis para construir um grande nó de ligação da avenida à zona norte da Alta de Lisboa.

Viaduto em tribunal

Nos dois casos, a indisponibilidade dos terrenos fez com que a obra ficasse por concluir até hoje, numa extensão de mais de 300 metros. Na zona do viaduto inacabado estão também por terminar, morrendo no mato, as saídas e entradas do nó para ali previsto. Mais adiante, cerca de 500 metros, junto aos armazéns Ruela, o que se vê é uma imensa escavação, com três centenas de metros de comprimento, que em anos de chuva se transforma num pântano cobiçado por patos e rãs.
Entre o viaduto e o nó do Eixo Norte-Sul (aproximadamente 500 metros), bem como entre o viaduto e os armazéns, e daí até às proximidades da Segunda Circular, num total próximo dos 2,5 quilómetros, a obra está completamente pronta, com a sinalização vertical e horizontal instalada e até com os postes de iluminação nos seus lugares.
Ao fim de seis anos de abandono, porém, os sinais de deterioração e vandalização são já evidentes: arbustos e ervas rebentam por todo o lado e parte da rede eléctrica e dos postes de iluminação foi roubada. Finalmente, a cerca de 200 metros da Segunda Circular, a avenida precipita-se outra vez no mato, tal como o Eixo Central, a outra via de acesso à Alta de Lisboa, que ali ao lado tem o seu primeiro tramo em acabamentos, mas que também aguarda pela construção da Porta Sul.
Voltando aos armazéns Ruela, a situação aqui é diferente da do viaduto de Camarate. Neste caso a Câmara de Lisboa não se esqueceu de que os terrenos não eram seus e até se entendeu com os donos antes do início da obra. "Assinámos um acordo em 2003. A câmara ficou de pagar perto de cinco milhões de euros pelos armazéns e pela deslocalização da empresa, mas nunca mais disse nada", afirma Maria Antónia Ruela, gerente da firma, especializada em equipamentos para a construção civil. Apesar de ter contactado várias vezes o município, a empresa não voltou a ouvir falar no assunto. Segunda a gerente, "o que se diz" é que a câmara desistiu de fazer o nó. Se assim for, decisão de que também está convencida a Associação dos Residentes da Alta de Lisboa, bastará construir os 300 metros que ali faltam. A câmara, todavia, não o confirma, tal como não respondeu, embora o tenha prometido, a qualquer das perguntas que o PÚBLICO lhe dirigiu no passado dia 5.
A acreditar na nova versão do contrato que liga o município à SGAL, aprovada pela câmara no Verão passado, a ideia de ali construir um grande nó poderá, contudo, não ter sido abandonada definitivamente. O cronograma anexo ao contrato refere os armazéns Ruela como um "constrangimento" a resolver em Janeiro de 2016. E o contrato indica que a SGAL terá de entregar ao município, concluídas, todas as infra-estruturas que tem a seu cargo até 31 de Dezembro desse ano.
Mas se na Charneca do Lumiar é possível optar por uma solução provisória, sem nó, já em Camarate a questão é bem mais complicada. Embora não seja conhecida nenhuma informação camarária a esse respeito e a SGAL tenha informado, na semana passada, que a avenida ficará pronta no primeiro trimestre de 2013, a verdade é que poderá ser preciso esperar alguns anos até que o viaduto seja acabado.
A Câmara de Loures, na sequência de um protocolo que assinou com a sua homóloga de Lisboa em 2009, fez o necessário para expropriar a parcela em causa - porque só ela o podia fazer -, mas "os proprietários recorreram para o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa" por não concordarem com a indemnização atribuída, disse ao PÚBLICO um porta-voz do município de Loures.
Até agora ainda não houve qualquer sentença, mas o facto de estes processos serem normalmente demorados e susceptíveis de recurso faz com que seja impossível prever uma data para a retoma das obras.

Eixo Central longe do fim

Projectado pelo arquitecto Manuel Salgado antes de entrar para a câmara, o Eixo Central, com cerca de 2800 metros, é considerado o "eixo estruturante" da Alta de Lisboa e começou a ser construído pela SGAL em 2008. Além de três vias em cada sentido, tem uma ampla placa central arborizada e relvada, passeios de dez metros de largo, espaços para bicicletas e esplanadas, e mobiliário urbano e sinalética da autoria do designer Daciano Costa.
Na definição de Manuel Salgado é uma "avenida salão". Para os responsáveis camarários que no ano passado renegociaram o contrato com a SGAL é "pela sua conclusão, pela sua ligação à Segunda Circular e pelo seu prolongamento e ligação ao Campo Grande" que passa, em grande parte, a "viabilidade financeira" do projecto da Alta de Lisboa.
Meses depois do início das obras, António Costa informou por escrito os autores do blogue Viver Lisboa de que o tramo central da alameda estaria concluído em Novembro de 2009 e que o tramo sul (da Segunda Circular até à primeira rotunda) ficaria pronto em Maio de 2010. O prazo de Novembro de 2009 chegou a ser apontado em cartazes conjuntos da câmara e da SGAL, e Manuel Salgado, no mesmo ano, anunciou por diversas vezes prazos semelhantes.
Passados três anos, a situação no terreno está longe de confirmar as promessas municipais. No tramo central está pronto há vários meses, mas fechado à circulação automóvel e pedonal, um troço de 400 metros (15% do total), e o tramo sul, com cerca de 700 metros, encontra-se na fase final de construção. Depois há mais uns 700 metros apenas com as infra-estruturas subterrâneas executadas e todo o tramo norte, com cerca de mil metros (mais de um terço do conjunto), em que nada foi feito.
No extremo que liga à Segunda Circular, à imagem do que sucede com a Avenida Santos e Castro, o Eixo Central deverá ficar em breve pronto, mas sem utilização possível. Isto porque as obras da Porta Sul - que no essencial consiste num interface que ligará as duas vias principais da Alta de Lisboa à Segunda Circular e à zona de Calvanas/Campo Grande - ainda não foram iniciadas, nem se conhece o respectivo projecto. Sabe-se apenas que a câmara desistiu em 2007 da projectada grande rotunda por baixo da Segunda Circular, que devia ter entrado em obra nesse ano e custaria 12 milhões de euros, e que optou por uma outra solução a executar por fases.
De acordo com a informação prestada pela SGAL, "a primeira fase da Porta Sul", bem como a Avenida Santos e Castro e "os troços do Eixo Central em curso" ficarão "definitivamente concluídos até ao final do primeiro trimestre de 2013". Mas o desencravamento viário da Alta de Lisboa, já com 30 mil habitantes, e a sua integração na cidade continua a ser uma miragem: a renegociação do contrato entre o município e a SGAL "alargou para 2020 a obrigação da câmara promover os trabalhos necessários às obras de ligação do Campo Grande à Zona das Calvanas (incluindo a ligação à Segunda Circular)".

1 comentário:

Anónimo disse...

Obra faraónica, um desastre social e urbano, um embuste financeiro com a mão de um arquitecto espanhol Eduardo Leira muito amigo de Nuno Portas, ele fazia cá e o ouro fazia lá. Mas com têm que dar de comer a muita gente Manuel Salgado e os amigos também tocaram na bola...
Um embuste financeiro ao BCP e Stanley Ho, um embuste social aos lisboetas que compraram aí casa, um embuste urbano a Cidade de Lisboa!