08/11/2008

ARTIGO DE OPINIÃO

"CONTENTORES EM ALCÂNTARA: SERÁ MESMO NECESSÁRIO?
S. Pompeu Santos -Engenheiro civil- Membro conselheiro da Ordem dos Engenheiros

Existe uma grande agitação à volta do terminal de contentores no cais de Alcântara, no porto de Lisboa. Em Abril foi o anúncio e agora a publicação do decreto-lei que autoriza a prorrogação do prazo de concessão ao actual locatário até 2042, com a justificação de que tal é necessário para amortizar o investimento na ampliação desse mesmo terminal, de modo a aumentar a sua capacidade actual para o triplo. Argumenta-se que essa ampliação é estratégica para o País, permitindo que o porto de Lisboa passe a assegurar uma fatia importante no mercado nacional e internacional de movimentação de contentores. Como contrapartida, o concessionário assegura a realização de um conjunto de obras, com destaque para, além da ampliação do próprio terminal, a construção de um túnel ferroviário de ligação da Linha de Cascais à Linha de Cintura, acabando com a actual ligação à superfície. Já tive ocasião de defender publicamente a pertinência desta obra (ver o número de Junho da revista Transportes em Revista), a qual poderá ser uma oportunidade para racionalizar todo o sistema de transportes públicos naquela zona de Lisboa, transformando a estação de Alcântara Terra num grande nó intermodal. Isto é, ligar a Linha de Cascais e a Linha de Cintura, mas também o Eixo Norte-Sul (no Alvito, através de tapetes rolantes), bem como ser o ponto de convergência das linhas Amarela e Vermelha do metro, esta a prolongar depois até ao Restelo. Considero, todavia, que a realização desta obra não deve ser usada como justificação para a ampliação do terminal de contentores.

Vejamos um pouco de história. O cais de Alcântara só muito recentemente (meados dos anos 80) passou a movimentar contentores. Lembramo-nos ainda do cais de Alcântara como uma gare marítima, estando ainda gravado na nossa memória o embarque das tropas para as antigas colónias, nos anos 60. Ainda nos anos 90 os planos do porto de Lisboa passavam por melhorar as condições daquele cais para o movimento de paquetes, tendo inclusivamente sido realizadas obras de reabilitação do contíguo cais da Rocha do Conde de Óbidos, das quais eu próprio fui o responsável pelo projecto das estruturas. Há três ou quatro anos dá-se, contudo, uma grande viragem; a ideia passou a ser pôr os paquetes em Santa Apolónia, enquanto Alcântara passava a ficar reservada para os contentores. É, pelo menos, estranho. Ocupando Alcântara uma posição muito mais nobre e central, porque é que os paquetes hão-de ir para Santa Apolónia e os contentores hão-de estar em Alcântara? Mas, se a esta troca é estranha, mais estranho é ouvir-se falar em aumentar a capacidade do terminal. Então, não haverá outros portos, como Setúbal ou Sines (cujo terminal está a ser ampliado), que podem movimentar esses contentores?

E será que no porto de Lisboa não haverá outros locais mais apropriados? Ouve-se dizer que não, que no futuro talvez, na Trafaria. Mas, na Trafaria, como? Seriam precisas obras muito complicadas, com impactes no rio Tejo difíceis de avaliar. Além disso, um terminal de contentores precisa de boas ligações ferroviárias e, na Trafaria, além de não existirem, a sua construção causaria impactes impressionantes (lá se ia a arriba fóssil).

Ora, existe um local no porto de Lisboa que tem condições privilegiadas para instalar um grande terminal de contentores. Trata-se do antigo cais da Siderurgia Nacional, no Seixal. Além de uma enorme área disponível (quase cem hectares), esta zona passou recentemente a dispor de uma excelente serventia ferroviária, com a construção do ramal que ligou as fábricas da Siderurgia Nacional e da Lusocider ao Eixo Norte-Sul, em Coina. Além disso, fica próximo da futura plataforma logística do Poceirão, onde poderá ser feito o transbordo dos contentores. Claro que será preciso dragar mais profundamente o canal fluvial do Barreiro, mas isso serão "trocos" em comparação com os benefícios duma tal localização.

Para quê arranjar soluções complicadas e conflituosas? "

4 comentários:

Anónimo disse...

Não posso discordar mais quando é dito que a zona do Cais de Alcântara é uma zona mais nobre da cidade de Lisboa que Santa Apolónia, julgo que tal é tão obvio que nem é preciso começar a enumerar porquês.

Anónimo disse...

Boa tarde.

Continua-se a batalhar numa solução que passa por Setubal ou Sines, agora pergunto eu: Como qualquer empresa normal quem dita as regras e o cliente, o que dizer as companhias de navegação que preferem o Porto de Lisboa a Sines ou Setubal?

Segunda questão: Sabe quais os fundos da zona do Seixal, é que a nova geração de porta contentores tem no minimo um calado de 15 metros.

Cumprs

Anónimo disse...

Este artigo deixa as "alternativas" pela rama. Por um lado, descarta a Trafaria apenas pelo facto de não existir actualmente uma ligação ferroviária. Por outro trata de apontar a localização do Seixal quando o cais da SN está totalmente assoreado e existem diversos planos de descontaminação e urbanização em redor (do centro de estágio a Paio Pires) aprovados em PDM.

É mais um de muitos artigos onde está patente o profundo desprezo com que muitos lisboetas tratam esta margem: para eles, vistas e paquetes. Para nós, as muralhas de aço e todo o tráfego inerente. E o porto, continuava assim a chamar-se "de Lisboa"?

cmpts

Luís Serpa disse...

Caro GSA - o problema não é bem a "nobreza" da área, o que quer que seja que isso seja. É que Alcântara tem estruturas construídas, adequadas (com pequenas obras) e - last but not least - magníficas para esse fim. Para qu~e dilapidar dinheiro a construir a três milhas náuticas uma coisa que já existe - e que não será nunca tão boa?