Dra. Leonor Beleza
Como será do conhecimento de V. Exa, é nosso propósito desde há anos, enquanto movimento de causas que somos, totalmente independente e voluntarista; a defesa do património da cidade de Lisboa.
Nessa perspectiva, em finais de 2010, mal foram divulgadas pelos órgãos de informação as intenções especulativo-construtivas que se gizavam na altura para os terrenos e edifícios do Hospital Miguel Bombarda - unidade de saúde histórica e geneticamente ligada à psiquiatria e às neurociências -, abraçámos como nossa a causa da busca por uma solução digna para aquele antigo complexo hospitalar.
De então para cá, e apesar do IGESPAR ter classificado em 24 de Dezembro de 2010 o Pavilhão de Segurança (panóptico) e o Balneário D.Maria II como Conjunto de Imóveis de Interesse Público e de ter incluido todos os restantes edifícios hospitalares na Zona Especial de Protecção , nada ocorreu de facto em termos de preservação e de recuperação efectivas daquele património classificado, muito menos se alteraram os termos de referência de certo Estudo Prévio urbanístico entretanto desenvolvido e aprovado pela CML, ainda que de forma oficiosa, e que continua a apontar para a construção de várias torres para habitação e, por isso, para a demolição de muita da edificação actualmente de pé (exceptuando, obviamente, os edifícios entretanto classificados pelo IGESPAR e, de certa maneira, ainda que novamente de forma oficiosa, entregues à CML para futura gestão). Também está previsto o esventramento de terrenos para abertura de arruamento desde a Rua Gomes Freire e túnel de escoamento de tráfego para poente, por exemplo.
Face ao descrito, o Fórum Cidadania Lx tem vindo a aderir a várias iniciativas da sociedade civil e a desenvolver outra tantas da sua própria iniciativa, no sentido de sensibilizar quem de direito para a necessidade de se salvaguardar o máximo possível todo o património edificado do complexo hospitalar do Miguel Bombarda, e se assegurar que a readaptação daquele espaço seja o mais possível digna e respeitadora da memória histórica do local. Assim;
- Co-promovemos o abaixo-assinado “Pela continuidade e desenvolvimento do Museu de Pintura de Doentes e das Neurociências no Hospital Miguel Bombarda” (em anexo) – desiderato subscrito por uma série de individualidades mas até hoje por atender por quem de direito;
- Reunimos a vários níveis na Assembleia da República e com as instituições sob a tutela do então Ministério da Cultura para que fosse respeitado o espólio físico e documental clínico do Hospital Miguel Bombarda – cuja efectiva salvaguarda, apesar da Recomendação da AR (também em anexo) ainda está por garantir; é de sublinhar que o Arquivo e Acervo do Hospital incluem, sem hiatos, desde 1848, na sua integralidade, dezenas de milhar de processos clínicos, de processos de admissão/correspondência e processos médico-legais, importantíssimos para a investigação no domínio das neurociências, da sociologia e do comportamento humano, além de cerca de 6.000 fotografias, 6.000 desenhos e pinturas, colecções de tatuagens, de escritos de doentes, e de largos milhares de manuscritos, um Arquivo extremamente valioso no plano internacional.
- Solidarizámo-nos com a criação da Associação Portuguesa de Arte Outsider (http://aparteoutsider.org, site com páginas dedicadas ao Hospital);
- Propusemos à Câmara Municipal de Lisboa, mas sem sucesso, que negociasse com a ESTAMO, S.A., empresa tomadora daquele complexo hospitalar, de modo a que ali fosse instalado o Arquivo Municipal de Lisboa (obviamente em conjugação com a manutenção e ampliação, por sua parte, do Museu do Hospital, único na Península Ibérica), em vez do projecto preconizado pelo já citado Estudo Prévio (arq. Belém Lima);
- Temos vindo a solicitar reuniões ao Ministério da Saúde e com os responsáveis da ESTAMO, S.A., com vista a encontrar-se uma outra solução para o complexo do Hospital Miguel Bombarda (solicitações ainda sem resposta...).
Chegados aqui, e perante a inércia e/ou o desinteresse dos poderes públicos e a intransigência inexplicável da CML em não aceitar a solução "Arquivo Municipal", cremos que a Fundação Champalimaud poderá ser, efectivamente, o parceiro decisivo para que seja finalmente encontrada a solução óptima em termos de readaptação do complexo do Bombarda, ou seja, uma solução que encontre o equilíbrio ideal entre preservação de um património imóvel, móvel e de memória que é muito raro na Europa, e assegurar novas funções nas áreas do Conhecimento e da Investigação ligadas à Saúde.
Cremos que a Fundação Champalimaud seria o agente ideal para protagonizar essa solução, em conjunto com outras entidades, bem entendido, e poderia sê-lo no âmbito das neurociências, a exemplo do que sucede com The Brain and Creativity Institute, na Califórina. Que melhor instituição do que a prestigiada Fundação Champalimaud para desenvolver no complexo do Bombarda um pólo de investigação (e, porque não, também de cuidados de saúde?), mantendo intocável a componente cultural, física e imaterial do local e de todos quantos por ali passaram?
Vimos, por isso, solicitar a V. Excelência, uma audiência a fim de melhor expormos este assunto, colocando-nos, desde já, à inteira disposição de V.Exa. para o que for necessário.
Na expectativa, subscrevemo-nos com os melhores cumprimentos.
Bernardo Ferreira de Carvalho, Carlos Moura, Rita Matias, João Mineiro, Nuno Caiado, João Pedro Barreto, António Araújo, Paulo Lopes, Fernando Jorge e Rita Silva
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