Na sequência da demolição integral do edifício sito na Avenida Almirante Reis, nº 233, torneja com a Praça João do Rio, do famoso Eng. Jacinto Bettencourt (inscrito com o Nº 1 na CML e colaborador frequente do Arq. Cassiano Branco), e inserido na frente de quarteirão inscrita na Carta Municipal do Património anexo ao Plano Director Municipal (nº 43.14), somos a comunicar o seguinte:
1. Congratulamo-nos com o anúncio feito em sessão de CML de 26 de Junho, pela voz do seu Vereador do Urbanismo, Arq. Manuel Salgado, segundo o qual a obra em curso (entretanto já desembargada) implicará, inequivocamente, a reconstrução da fachada agora demolida.
2. Notamos, no entanto, que já antes a aprovação (por despacho do Vereador) do projecto de reconversão do edifício em apreço (Alvará de obras de alteração com demolição, nº 27/OD/2013) pressupunha a manutenção da fachada, o que não veio a acontecer, sendo a obra embargada já com a fachada reduzida a 1 piso e após várias denúncias públicas.
Achamos curioso que o Sr. Vereador do Urbanismo refira que como o prédio é (era) de betão, seria impossível manter a sua fachada de pé, o que significa que os serviços da CML propuseram a aprovação da demolição do prédio com a manutenção de fachada sabendo de antemão da sua inviabilidade! Mais, se o projecto global continha - e continha - o projecto de demolições que integraria obrigatoriamente as medidas necessárias para a contenção da fachada, e assim uma vez que existe processo de obra nos arquivos da CML foi possível ao projectista conhecer exactamente a natureza da estrutura a demolir, conclui-se que a invocação do Sr. Vereador do tipo de material constituinte para justificar a demolição é uma falácia. Igualmente falacioso é afirmar que uma fachada, por ser em betão - ou porticada que pode ser o que o senhor vereador quereria dizer - não se pode conter. Se assim fosse seria impossível apresentar um projecto para a sua manutenção. Mais, ainda, se assim fosse, o projectista teria agido com má-fé, pois ou teria apresentado uma proposta que ele sabia impossível de cumprir ou teria inventado uma nova constituição para a mesma.
Como curioso é, também, a CML aprovar um projecto de reconversão que implica a manutenção da fachada, em vez de aprovar somente a remodelação do interior do edifício em vez de uma construção nova que colocar em risco a manutenção da fachada...
3. Estaremos atentos à reconstrução da fachada e recorreremos aos instrumentos jurídico-legais disponíveis ao comum do cidadão se a mesma não se verificar, accionando-os contra quem não cumprir o que foi aprovado pela CML, e contra quem não fiscalizar e fazer cumprir o que a CML aprovou e se comprometeu fazer cumprir, sendo que a cidade deveria assumir desde já que uma fachada reconstruída traduz um edifício de autenticidade nula, uma triste e pobre cópia de um original que era recuperável. Que a CML tenha falhado na defesa da correcta adaptação do imóvel a unidade hoteleira/lar é a raiz deste problema.
4. Concluindo: é impossível não criticarmos severamente a CML por se demitir da sua função de salvaguarda do património que ela mesma inclui na Carta Municipal do Património anexa ao Plano Director Municipal, como no presente caso. É que Carta do Património contém em si a promessa de que os edifícios e conjuntos nela listados não podem sofrer alterações que ponham em causa os seus valores patrimoniais e muito menos que sejam integralmente destruídos.
Nesse sentido, esta destruição é mais uma prova inequívoca do atraso de Lisboa face às boas práticas internacionais.
Com os melhores cumprimentos
Paulo Ferrero, Bernardo Ferreira de Carvalho, José Filipe Toga Soares, Fernando Jorge, Luís Marques da Silva, Miguel Atanásio Carvalho, Miguel de Sepúlveda Velloso, Carlos Matos e Júlio Amorim
6 comentários:
O que se me afigura como insondável, além do que é descrito aqui, é que numa época em que a qualidade de construção é muito inferior em mão de obra e materiais ao que se fazia, vai reconstruir-se de pior qualidade aquilo que existia de boa qualidade.
Reparem bem nos prédios mais antigos: vêem-se mísulas de pedra maciça, soleiras e decorações de janela e portas de pedra maciça, entre outros elementos e os edifícios de hoje são todos folheados de pedra, de baixa qualidade (embrechados muitas vezes) que absorvem água e ficam cheios de bolor e até caem das fachadas.
Mas isto é gente séria?! Mas é neste gente que as pessoas vão votar, de novo?!
Aquilo era um prédio sem nenhum interesse e a cair de podre. Foi muito bem mandado abaixo pelo legítimo proprietário.
Só duas notas:
1. A reconstrução em termos patrimoniais não vale nada é completamente contrária a todas as normas internacionais de salvaguarda do património. Mesmo preservar a fachada é uma acção altamente reprovável quanto mais assim… Apenas serve os interesses políticos e económicos, adequar melhor o programa arquitetónico que têm para o espaço agora livre do empecilho, a fachada, vais ver, vai ter outro alinhamento. Só se for para castigar legalmente alguém… mas quem sai castigado é o Património.
2. Depois a questão da impossibilidade de preservação do betão é uma falácia. Existem hoje diversos casos de restauro. Vários trabalhos têm sido apresentados com bons resultados (congressos, artigos etc) e o edifício não estava numa situação limite, dá para ver na imagem.
Envio este endereço, no documento têm tudo o que de mais importante se tem falado sobre o assunto e um glossário importante:
http://icomos.fa.utl.pt/documentos/cartasdoutrina/icomosrecomendacoesestruturas.pdf
De facto vá-se la compreender este histerismo com este prédio. Nem bonito era. Demolido e bem demolido.
Se calhar o Sr. Vereador por "betão" queria dizer "betão pré-esforçado".
Pode dar-se o caso, uma vez que se tratava dum edifício já com bastantes anos, que ninguém soubesse se de facto tinha sido com betão "normal" ou pré-esforçado, e que só durante a demolição parcial se tenha descoberto isso.
E demolir parcialmente um edifício em betão pré-esforçado é seriamente perigoso.
Respondendo ao comentário do Jorge das 10:53, não se trata de uma questão de gosto (o que para si não é bonito para outros poderá ser...) mas sim de um conjunto urbano de grande coerência estética (caso raro entre nós) e que se perdeu.
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