In Público (13/7/2009)
Luísa Pinto
«Décadas a fio não se recuperou o antigo e investiram-se milhões em novas urbanizações. Os tempos mudaram mas ninguém acredita que uma lei de obras coercivas resolva o problema
Os números falam por si: na União Europeia mais de um terço do que é investido no mercado da construção é em obras de reabilitação. Em Portugal, em cada cem euros investidos, só 6,5 se destinam à reabilitação. Ou seja, apenas um em cada 15 que são gastos no mercado imobiliário. Não surpreende por isso que nos concelhos de Lisboa ou do Porto, com centros urbanos maiores e mais antigos, mais de metade das habitações necessitem de ser reabilitadas, enquanto, nos subúrbios, cresceram como cogumelos as novas urbanizações.
Os dados do Retrato Territorial de Portugal 2007, divulgado recentemente, não deixam lugar para dúvidas (ver mapas e quadros na página 3). O que surpreende é a necessidade de apostar na reabilitação urbana em detrimento da construção nova ter entrado há pelo menos sete anos nos discursos oficiais e pouco ter mudado. Basta pensar que o actual Governo também adoptou o discurso da reabilitação e da regeneração mas só a três meses do fim do mandato é que entregou na Assembleia um pedido de autorização legislativa para avançar com um novo Regime Jurídico de Reabilitação Urbana que, entre outras novidades, inclui a obrigação de reabilitar.
Até agora os proprietários tinham o dever de conservar os seus imóveis; se esta autorização legislativa passar a decreto-lei, passam a ter o dever de reabilitar, sob pena de, em última instância, serem obrigados a vender os seus imóveis a quem o queira fazer. Não é nada pacífico.
O PÚBLICO foi perguntar aos vários agentes que intervêm neste mercado (proprietários, inquilinos, construtores, promotores imobiliários) se consideram que este mecanismo cria as condições para que passem a ser visíveis, no miolo das cidades, as operações de reabilitação urbana. A resposta foi unânime: não. Porquê? Porque continuam a faltar dois aspectos essenciais: dinheiro para fazer as obras e um mercado de arrendamento que funcione.
Fracassos após fracassos
Hoje já há sociedades de reabilitação urbana nas câmaras municipais que podem fazer obras coercivas, regimes fiscais que beneficiam quem faz obras e que penalizam quem tem prédios devolutos e até uma nova lei das rendas, mas nada funcionou.
Os proprietários particulares sabem que reabilitar é caro e lembram que foram durante décadas impedidos de cobrar rendas que remunerassem o seu património. É por isso que não estão capitalizados para fazer obras por regra muito dispendiosas, sendo que os 500 euros que podem deduzir no IRS não fazem a diferença.
Para além disso, mesmo que o financiamento não fosse um problema - os proprietários insistem que são os primeiros a querer ver valorizado o seu património -, depois coloca-se o problema do retorno desse investimento. Ou seja, saber se conseguem, pelo menos, recuperar o dinheiro investido. Caso contrário, tudo continuará na mesma. Ninguém parece disposto a investir sabendo que o mais provável é vir a perder muito dinheiro.
Um plano especial?
É por isso que Fernando Santo, bastonário da Ordem dos Engenheiros, reclama a criação de um Plano especial de Reabilitação Urbana (PERU), a constituir nos moldes em que foi desenhado o extinto PER - Plano Especial de Realojamento. "Os governos têm vindo a desenvolver soluções muito diferentes para problemas que têm alguma semelhança. Quem vivia numa barraca clandestina teve direito a uma casa, paga por nós todos. Quem sempre viveu numa casa miserável, pagando rendas durante décadas, com o tecto a ameaçar cair-lhe sobre a cabeça, não mereceu o mesmo interesse por parte do Estado", argumenta. Por outro lado, o novo regime juridico é mais penalizador do que mobilizador - "obriga mais do que estimula", como sintetizou o presidente da Ordem dos Arquitectos, João Belo Rodeia.
Até porque, entretanto, o programa de apoio anunciado pelo Governo para os proprietários, o ProReabilita, deverá ser o último instrumento a ser apresentado. João Ferrão, secretário de Estado de Ordenamento do Território e responsável por esta reforma, explicou ao PÚBLICO que ele ficou para o fim por se destinar a resolver os problemas que os outros mecanismos não solucionassem. Sendo que falta ainda ser apresentado um programa do Banco Europeu de Investimentos e a iniciativa Jessica, que vai permitir criar Fundos de Desenvolvimento Urbano.
Francisco Rocha Antunes, promotor imobiliário e que é também chairman do ULI Portugal [o ULI- Urban Land Institute é uma organização internacional para o estudo e debate do planeamento urbanístico e do desenvolvimento territorial], considera que o novo regime jurídico poderá tornar "menos pesado" o modelo de reabilitação, mas sublinha que reabilitar será sempre um processo muito exigente. "O Governo quer dar escala, e reabilitar ruas e quarteirões, mas não há ruas e quarteirões sem inquilinos e sem proprietários. E estes tem expectativas que é preciso gerir", alerta.
Rocha Antunes, que está a promover a reabilitação do quarteirão da Praça D.João I, no Porto, um projecto dinamizado pela Porto Vivo, a primeira SRU no país, lembra que os projectos de reabilitação têm de estar assentes num modelo de negócio "que aguente um período de montagem que é longo, complexo e com alguma imprevisibilidade". "Como ainda não existe um efeito de demonstração, há receio em apostar neste segmento, mas acredito que as operações de reabilitação urbana são o futuro do sector imobiliário e vão revitalizar por arrastamento o comércio e o turismo."»
Operadores do sector unânimes
13.07.2009
Sem outra lei das rendas não é possível ter bons projectos de reabilitação
Não se pode falar em reabilitação sem falar de rendas, porque todos acreditam que é o arrendamento urbano que vai fazer a re-habitação maciça dos centros. Por um lado, porque o modelo de financiamento imobiliário que era conhecido até agora se esgotou (não havendo facilidades na concessão do crédito, as pessoas voltam-se para o arrendamento); por outro lado, porque o arrendamento é mais compatível com a mobilidade do mercado de trabalho. Mas não com esta lei de arrendamento, disseram ao PÚBLICO, em uníssono, o presidente da Federação da Construção, Ricardo Gomes, o secretário-geral da Associação Portuguesa de Promotores Imobiliários, Miguel Azeredo Perdigão, ou o presidente da Associação Nacional de Proprietários, António Frias Marques. E estes não se referem apenas aos contratos antigos, que a lei das rendas descongelou sem permitir actualizações imediatas, mas também aos contratos novos. Os casos de incumprimento no pagamento das rendas continuam a exigir pelo menos seis meses para serem resolvidos, pelo que os investidores demoram a ter confiança neste mercado. Uma das soluções apontadas - e para a qual o Governo já mostrou abertura para que possa ser pensada em 2010, tal como uma primeira revisão do NRAU - é a criação de um seguro de renda. »
...
O problema em Lisboa é que 90% dos prédios antigos abandonados, com as janelas escancaradas, destelhados e, quando não, incendiados vezes sem conta; o problema é que 90% deles são propriedade de imobiliárias e não de proprietários depauperados. São abandonados voluntarimente, anos a fio, à espera que caiam, ou que a CML os mande demolir porque ameaçam colapso. A isso chama-se especulação imobiliária. É disso que se trata nas Avenidas Novas, na Lisboa antiga. E aí, as obras coercivas são uma excelente ajuda a que a reabilitação se faça.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
9 comentários:
Quanto aos proprietários particulares, são em regra pessoas idosas e que não têm já genica para se meterem em grandes cavaralias (isto agravado por terem passado décadas a receber rendas irrisórias), ou então, pior ainda, os prédios serem de descendentes que não se entendem sobre a herança, têm actividades e não querem saber para nada de prédios antigos que só lhes irão dar chatices.
(cavalarias)
Estive na sessão pública de apresentação do novo Regime Jurídico da Reabilitação Urbana e na altura gostei bastante de ouvir o Bastonário da Ordem dos Engenheiros.
A analogia que fez entre os inquilinos que habitam em casas antigas e o pessoal que habitava barracas ou que ocupou terrenos foi simples, acutilante e só mesmo os políticos é que encaram como se nada se tivesse passado.
Cada vez mais me convenço que, enquanto o Estado português não assumir a enorme dívida que tem para com os proprietários "vitimas" de rendas sociais (autênticos promotores forçados da habitação social) e dos seus inquilinos, também eles "vitimas" e "obrigados" a viver em condições de habitabilidade sem qualquer qualidade ou dignidade, estaremos a fugi ao problema e a promover a degradação do edificado e a desertificação dos centros urbanos. Não é com 30% de dedução até ao limite de € 500/ano que se inverte o panorama, quando toda a gente sabe que uma obra de reabilitação, para ser bem feita, até pode ficar mais cara que "uma obra nova".
Já li e voltei a ler este projecto de diploma e, pese embora tenha algumas idéias que até podem vir a ser interessantes, a sua colocação em prática será muito dificil, nomeadamente porque continua o Estado a "assobiar para o lado".
Quanto à venda forçada tenho muita curiosidade como vai correr esse processo. Pela leitura do diploma parece-me que se procuram assegurar os mesmos direitos de uma expropriação (vamos ver se é pacífica a aplicação do conceito do "justo valor"), mas com o detalhe de que o imóvel tem de ser adquirido para ser reabilitado a começar no prazo de 6 meses e se a hasta pública ficar deserta, as Câmaras exercem o direito de preferência pagando o tal "justo valor" ou no limite, pagando ao proprietário ("promitente vendedor forçado") a diferença do tal "justo valor" e o valor pago pelo adquirente em hasta pública.
Como, na minha opinião, o diploma sequer assegura a possibilidade de recurso ao crédito para o concurso à venda forçada em hasta pública, tenho grandes reservas da sua aplicabilidade, uma vez que as Câmaras e as suas SRU's não têm dinheiro.
Como já dizia São Tomé, é ver para crer ....
Luís Alexandre
o que não falta aí são prédios a cair, sem inquilinos.
portanto o problema não deve ser só das rendas baixas...
Por detrás da história bacoca e ultrapassada, do proprietário pobrezinho, que vive em casa alugada, sem dinheiro para nada e do malandro do inquilino rico, com várias casas, incluindo a de praia, esconde-se a máfia da imobiliária, que quer deitar tudo abaixo, para poder especular á vontadinha.
Neste país das bananas, onde as leis são feitas, não para defender a cidade e os cidadãos, mas para defender os lobies, ainda há quem viva á custa de dizer mal de uma lei das rendas que já podia ter sido alterada á mais de 30 anos. Mas, interessa mudá-la? Ou interessa mais mantê-la, para ser possível continuar a criticá-la e com isso, continuar a aplicar o método da degradação forçada dos edifícios e a sua consequente e "justificada" demolição?
Basta de culpar o malandro do Salazar e a sua malfadada Lei das rendas pelo facto:
É preciso agir e rápidamente, senão não fica Lisboa nenhuma!!!
Ah, pois é, o proprietário idoso e actualmente pobre, que noutros tempos investiu numa casa para alugar e depois tem sustentado durante décadas os inquilinos é uma invenção.
Nunca soube de nenhum. Deve ser em Marte.
-Salazar fez a lei. Diz-se mal;
-Veio o 25 e a lei continuou. Diz-se mal;
-Passaram-se 30 e tal anos e a lei continua. Diz-se mal;
-Os prédios caem, degradam-se e culpa-se a lei. Diz-se mal;
-Os senhorios são todos pobrezinhos,( mesmo os que beneficiaram das fantásticas regalias dadas a quem construísse habitação de rendas limitadas). Diz-se mal;
- Os inquilinos estão todos ricos. Diz-se mal,
-Querem fazer obras coercivas. Diz-se mal;
-Querem alterar a lei. Diz-se mal...
Então, só quando Lisboa perder por completo a sua entidade;
quando não houverem mais edifícios para recuperar;
quando todos os prédios existentes nas avenidas românticas, estiverem destruídos e já não valer a pena fazer lei nenhuma, então aí, vai toda a gente dizer mal de não se ter feito atempadamente a tal alteração á lei mal feita. Mas aí, já será tarde e mais uma vez, a culpa vai morrer solteira!!!
O Salvador vai me permitir fazer um reparo.
Os senhorios que "beneficiaram das fantásticas regalias dadas a quem construísse habitação de rendas limitadas" são os construtores civís e não os proprietários de casas com rendas condicionadas de quem se está a falar. Não confunda que não é a mesma coisa.
Uns beneficiaram (e muito) das políticas construtivas dos municípios, das sucessivas e descuidadas violações dos PDM's, da criação das cidades-dormitório desordenadas, do crédito bonificado para aquisição de habitação.
Os outros não. Aliás, não tiveram nada disso porque o RECRIA e o RECRIPH foram um fracasso.
Se tivesse havido menos facilidades e incentivos à construção em detrimento da recuperação do edificado existente, as cidades não estariam tão desertas.
Mas isso é claro, implicava em não alimentar interesses instalados, o que em Portugal é sempre uma batalha perdida ....
Luís Alexandre
Caro Luis
Quando falo das rendas limitadas falo da lei das rendas fascista, criada no tempo do Estado Novo.
Essa lei tinha, entre outras nefastas condições, a de obrigar a prática de rendas limitadas, áqueles senhorios/investidores que assim o desejassem. Para tal, o estado assegurava a venda dos terrenos para construção a preços inferiores aos praticados no mercado e aplicava grandes benefícios fiscais a esses donos de obra.
Havia também isenções para aqueles que fomentassem a introdução de peças de arte, tais como esculturas e pinturas, nos seus edifícios;
as rendas decorrentes destes "contratos", eram limitadas a valores fixos e toda esta politíca, vinha na sequência da ideia uma casa para cada família; manias fascistas pronto.
Estivemos durante quatro decadas a viver sob este tipo de politíca e, não nos podemos esquecer, que a inflação era á altura, quase inexistente:
Lembro-me que os meus pais pagavam, enquanto inquilinos, 1500 escudos; se tivessem saído de lá, a renda que outros inquilinos pagariam, seria a mesma, sem agravamento portanto.
Aquilo de que fala no seu coment, é a especulação imobiliária que começa na década de 70 e que se arrasta até aos nossos dias; foi o que destruíu por completo o território nacional.
Quero deixar claro e sem fazer a apologia do passado, que sinceramente não me deixa saudosismos, é que há diferenças dentro do panorama imobiliário português, nomeadamente no dos edifícios arrendados e que a legislação tem que ser rápidamente implementada, tendo em conta estas diferenças todas.
Agora, é muito urgente que se faça algo, porque daqui a nada não sobra nada de Lisboa para recuperar e restaurar.
cumps
Enviar um comentário