13/05/2012

Importante Entrevista ... a não perder ...







"A crise pode ser uma oportunidade para a conservação da natureza"


Por Jorge Marmelo in Público

Nuno Gomes de Oliveira O director do Parque Biológico de Gaia acaba de ver a reserva do estuário do Douro na rede nacional de áreas protegidas. Uma classificação só possível com mais de 30 anos de trabalho


Tem 56 anos e formou-se em Ecologia Humana pela Universidade de Bordéus. Em 1983, Nuno Gomes de Oliveira iniciou, com o Núcleo Português de Conservação da Vida Selvagem, que esteve também na génese da Quercus, o projecto do Parque Biológico de Gaia, então com dois hectares. Hoje, o parque é municipal (desde 1985), tem um orçamento de três milhões de euros, 35 hectares e prepara-se para crescer. É a partir dali que se gerem outros espaços verdes, incluindo o parque dunar e a Reserva Natural Local do Estuário do Douro, recentemente incluída na rede nacional de áreas protegidas. O Parque Biológico tornou-se uma espécie de consciência ecológica de um dos maiores concelhos do país.
Esperava que o estuário do Douro entrasse para a rede nacional de áreas protegidas depois de, em 1994, ter sido retirado da Reserva Ecológica Nacional?
São coisas diferentes. Em 1984, quando foi feita a primeira versão do Plano Director Municipal [PDM] de Gaia, ainda havia, para aquele local, pretensões urbanísticas e portuárias, projectos muito complicados. Quando a Câmara de Gaia propôs que aquilo não fosse Reserva Ecológica Nacional, o Conselho de Ministros retirou essa protecção. Mas os projectos que havia, de um hotel em cima do Cabedelo, uma grande marina e um porto militar, por serem tão ridículos, acabaram por cair de podres. E, nesse caso, deixou de haver obstáculos à protecção ambiental do estuário. O PDM voltou a criar a reserva ecológica e, em cima disso, criou-se a área de reserva nacional local, sem qualquer escrutínio da administração central. Agora o que aconteceu foi apenas que também o Instituto de Conservação da Natureza se pronunciou e o estuário, embora sendo reserva local, passou a integrar a rede nacional de áreas protegidas.
Neste hiato de 30 anos, ao sabor de mudanças legislativas, uma área natural com esta importância poderia ter sofrido danos irreparáveis, não?
As situações são sempre reversíveis, só seriam irreparáveis se tivesse construído alguma coisa naquele espaço. Se aqueles projectos tivessem avançado, sim. Mas não aconteceu.
O centro histórico do Porto foi preservado, e classificado património mundial, porque a falta de dinheiro impediu projectos megalómanos. No estuário do Douro também foi assim?
Este caso tem paralelo com outras zonas naturais da região do Porto. A barrinha de Esmoriz, a antiga Reserva Ornitológica do Mindelo e a serra de Santa Justa, que são os espaços fundamentais, com o estuário do Douro, para termos uma rede de espaços naturais na área metropolitana, estão há décadas à espera de qualquer coisa sempre ligada a empreendimentos imobiliários ou turísticos. Estes projectos têm sido um entrave à conservação da natureza. Quando vão caindo, torna-se possível preservar essas zonas. Haja vontade. A falta de dinheiro é a oportunidade para a conservação e esta crise também pode servir para isso. E para a conservação não é preciso muito dinheiro. No estuário do Douro gastamos 300 mil euros ou coisa que o valha, mas essencialmente com equipamentos de visitação, não com a conservação em si.
Também há falta de interesse das autarquias pela preservação da natureza?
Poucas autarquias dão a isso a importância que Gaia dá. Gaia está sempre aberta a este tipo de projectos e disposta a gastar dinheiro com isto. Outros municípios secundarizam isto, até porque não perceberam a importância que uma área protegida tem ou pode ter para o desenvolvimento local. Para a nova Marina do Douro, por exemplo, é muito importante poder dizer que tem ao lado uma reserva natural. Se a reserva do Mindelo fosse recuperada, seria importante para o ordenamento de todo aquele território, que é uma lixeira contínua.
Até que ponto a natureza pode ser importante para o desenvolvimento local?
Numa cidade como Gaia, aquilo que os parques geram é percentualmente residual. Mas, por exemplo, desenvolvemos com a Câmara de Vinhais um projecto de um parque biológico que está a funcionar muito bem, e que tem um impacte económico muito grande na região. É evidente que a importância é tanto maior quanto mais pequeno for o concelho. Mas a qualidade de vida faz-se de um conjunto de pequenas coisas.
Teria sido possível preservar o cordão dunar do litoral de Gaia e o estuário do Douro sem o know-how e a vigilância do Parque Biológico?
É verdade que começaram aqui os primeiros ensaios de passadiços e que depois foram aplicados no litoral, e sobretudo a sensibilidade para a necessidade de intervir neste domínio. Fizemos agora um guia do estuário e houve a preocupação de incluir a história e a geologia. É evidente que para a interpretação do lugar, da sua identidade, é tão importante dizer quais são as aves que lá param como falar da geologia ou da arqueologia.
O parque é sustentável?
A sustentabilidade é uma coisa, o lucro é outra. A sustentabilidade tem de ter em conta o serviço que se presta.
Não é uma visão que esteja muito na moda.
Não é. Mas é fundamental que se perceba isto. Uma coisa vale muito mais do que aquilo que é contabilizado.
A visão economicista pode ser um retrocesso também para a conservação da natureza?
Acho que a conservação da natureza já atingiu a maioridade e já há coisas irreversíveis. Mas é verdade que, a nível nacional, se estão a consagrar muito poucos fundos para isto. Muito poucos. Continua-se a não perceber que a paisagem é fundamental para o desenvolvimento económico e, desde logo, para o turismo. Não há turismo sem paisagens protegidas, excepto aquele de praia e noite. Mas nunca se pensa em quanto vale a pega-azul que milhares de turistas vêm observar a Portugal.
O que é que lhe falta fazer em Gaia?
A criação da reserva do estuário foi um passo muito importante. Agora queremos concretizar o centro de interpretação da Afurada, que vai ser um complemento importante da reserva. E há em carteira uma série de parques que vão ser concretizados. Aqui no Parque Biológico, o grande objectivo é fazer o novo centro de recuperação de fauna. Recebemos três mil animais selvagens por ano, devolvemos mais de 50% à natureza, mas estamos a trabalhar em condições de algum improviso. Corremos o risco de que o pré-fabricado caia em cima da cabeça dos veterinários e dos animais. Estamos à espera de fundos comunitários para isso.

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