07/07/2012

Abandono do património ferroviário do Barreiro gera movimento cívico.


Abandono do património ferroviário do Barreiro gera movimento cívico.
Menos comboios para todo o lado.
A antiga estação do Sul e Sueste é ainda utilizada por maquinistas e revisores que terão agora de sair
Por Carlos Cipriano in Público
No Barreiro subsiste um importante património, hoje ao abandono e sujeito a vandalismo. Em terra de ferroviários, um grupo de cidadãos juntou-se para defender a memória da sua cidade
O Barreiro já foi um dos maiores complexos ferroviários do país, mas agora a maioria do seu património está abandonado e degradado, desde que a actividade ligada aos caminhos-de-ferro deixou de ser importante para a cidade. Por isso, um grupo de cidadãos criou o Movimento Cívico para Salvaguarda do Património Ferroviário do Barreiro, que visa classificar os edifícios com valor histórico e que o PDM da cidade contemple a sua preservação e valorização.

José Encarnação, ferroviário, diz que aqueles activos "fazem parte da memória colectiva e da história do povo do Barreiro", mas encontram-se "numa situação de abandono e incerteza quanto ao seu futuro". Destaca a antiga estação ferro-fluvial do Sul e Sueste, que ainda é parcialmente utilizada por alguns maquinistas e revisores da CP, os quais já foram informados pela empresa que deverão sair dali a fim de poupar a renda que a transportadora pública paga à, igualmente pública, Refer, empresa proprietária do imóvel.

As oficinas ferroviárias são outro importante conjunto patrimonial. A EMEF - empresa de manutenção do material circulante da CP que ali possuía as mais importantes oficinas de diesel - está de saída, devendo parte dos seus trabalhadores ser transferida para o Poceirão e Lisboa e outra parte alvo de despedimento colectivo. Depois disso, alerta José Encarnação, será não só os edifícios mas também o vasto acervo ali existente que fica entregue ao vandalismo caso a CP mantenha o seu modo de actuação em relação aos edifícios devolutos - o abandono.

O Bairro dos Ferroviários - que a CP só recentemente registou em seu nome através da figura jurídica do usucapião - ainda tem alguns moradores, mas estes têm recebido cartas para abandonarem as velhas casas. Ao lado, o Palácio de Coimbra, também património ferroviário, está emparedado. E a rotunda das locomotivas, que servia de "garagem" para as máquinas desde os tempos do vapor ao actual material diesel, está também abandonada.

Armando Teixeira, engenheiro reformado da indústria química e ex-vereador pelo PCP na Câmara do Barreiro, é um dos promotores deste movimento cívico e acusa a CP e a Refer de "não terem qualquer tipo de consideração" em relação a um património que poderia figurar como um importante núcleo museológico sob a égide da Fundação Museu Nacional Ferroviário. "Estas empresas, o museu ferroviário e a Câmara do Barreiro, devem assumir as suas responsabilidades", diz. Mas para isso era preciso que houvesse sintonia entre as várias entidades, a começar pela CP e Refer. O que não é o caso.

"O grande problema do Barreiro é que grande parte do domínio público ferroviário está na CP", diz Carlos Fernandes, administrador da Refer, e responsável pela Refer Património, uma empresa afiliada que tem por missão valorizar os activos que já não têm utilização operacional.

Este responsável explica que só a Refer tem a possibilidade de dar novos usos a este património, coisa que já tem vindo a fazer um pouco por todo o país, nas estações das linhas que já fecharam. "O domínio público ferroviário que ficou na posse da CP só pode ser usado para funções operacionais. Quando deixar de ter esse uso, a CP não pode fazer mais nada com ele nem dar-lhe outro uso." O administrador da Refer Património diz que só a sua empresa é que poderia fazê-lo, rentabilizando aqueles activos se fossem seus.

O PÚBLICO questionou a CP sobre o futuro deste património, mas não obteve resposta.

Já Regina Janeiro, vereadora da Câmara Municipal, diz que o executivo "tem acompanhado" este assunto com uma abordagem feita ao nível da "preservação" e da "divulgação" do património histórico, estando o município a trabalhar na classificação dos edifícios com interesse municipal e interesse público.

A autarca destaca, contudo, que o património ferroviário do Barreiro não deve ser só memória mas estar também voltado para o futuro. "Continuamos a defender a manutenção do parque oficinal no Barreiro, a concretização da terceira travessia sobre o Tejo [em Lisboa], bem como o parque oficinal da alta velocidade", diz. E conclui: "Queremos preservar os postos de trabalho, os saberes e as competências dos ferroviários que aqui habitam."

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