«Cartas abertas»

Chegado por e-mail:


«Exmos Srs:

Venceram!
Há seis meses - depois de, levado sabe-se lá por que ingénua esperança - acreditei que, dando visibilidade às queixas, denúncias e pedidos da cidadania, conseguiria alguma resposta dos órgãos públicos a quem já estava - e estou! - farto de enviar e-mails e de fazer telefonemas que caiem no mais completo vazio. Para isso, criei o blog cartasabertas-portugal.blogspot.com . Recebi, nesse período 29 cartas, a maior parte delas com denúncias de flagrantes ilegalidades, devidamente documentadas por fotografias, e reencaminhei-as aos órgãos "competentes" com o seguinte aviso: "Esta carta foi publicada em http://www.cartasabertas-portugal.blogspot.com/ . A sua resposta, quando dada, será igualmente publicada. Cada 10 dias que se passem sem resposta serão assinalados. A cada 3 meses, o blog actualiza uma classificação de entidades por demora média de resposta. Respostas meramente protelatórias não valem."
Recebi uma carta da Polícia Municipal de Lisboa a dar conta de que tinha autuado os carros que, quotidianamente, tomavam de assalto os passeios no Largo dos Loios e da Rua da Saudade (entretanto, pelo que sei, tudo voltou ao "normal"), uma carta da REFER a dar conta de projectos de implantação de passagens para deficientes e carrinhos de bebés nas suas estações, e julgo não estar a cometer nenhuma omissão se disser que o resto foi um desfile da mais desavergonhada hipocrisia. Coisas como "Agradecemos o seu e-mail e informamos que o mesmo foi encaminhado para os serviços responsáveis pelo assunto em questão" ou "Acusamos a recepção do v/ email a 17 de Junho passado, o qual mereceu a n/ melhor atenção e agradecemos" ou "Vimos acusar a recepção do e-mail de V. Ex.ª, o qual mereceu a nossa melhor atenção.Informamos que do mesmo foi dado conhecimento à Divisão Policial da área, para ter em consideração o exposto" ou "cumpre-me comunicar que no âmbito das nossas modestas capacidades operacionais procuraremos intensificar a fiscalização da zona". Nada, nenhuma destas palavrinhas arrumadinhas, de uma cortezia rasteira e estudadamente vaga, redundou em gestos. Todas as situações denunciadas permanecem rigorosamente inalteradas, e eu estou farto.
Não acho que estes seis meses de actuação tenham sido completamente em vão. Foram úteis pela pior das razões: revelaram o profundo desprezo devotado pelas autoridades públicas portuguesas em geral aos cidadãos; mostraram o desperdício em que cai este poderoso instrumento de aproximação entre governantes e governados que a internet poderia ser se aqueles estivessem minimamente preocupados em atender aos anseios e oferecer protecção aos direitos destes.
Estamos submetidos ao mais cínico abandono. Abandono feito de "prezado cidadão", "a nossa melhor atenção", "no âmbito das nossas modestas capacidades", etc. Não acho que nos devamos conformar. Nunca pensei, nem penso, que só valha a pena lutar a luta que se julga poder vencer. Continuo a achar que é preciso continuar a "chateá-los" - não pela esperança de resultados, mas porque, pelo menos, não será com o nosso silêncio que Vossas Excelências terão a vossa vitória. Mas agora estou cansado. Farto, mesmo.
Isto é uma despedida - ou um improvável até breve, dependendo de conseguir ou não recuperar forças para voltar à carga - mas é também um apelo - não aos Exmos Srs - mas a cidadãos que ainda tenham alguma força para vos enfrentar e que se disponham a assumir a animação do Cartas Abertas.

Atenciosamente,

Mário Negreiros»