22/02/2009

Utilizadores fazem bom uso das bicicletas gratuitas -PUBLICO-22.02.2009, Luís Francisco

Enquanto em Paris as Vélib são destruídas e roubadas, em Portugal as Bugas, as BiCas e as Bute estão em grande forma

Os apreciadores de um bom passeio de bicicleta podem estar descansados. Em Portugal, apesar das perturbadoras notícias vindas de Paris, onde todo o sistema público de aluguer de bicicletas está a ser reequacionado devido aos abusos e vandalismo, não há motivo para alarmes. Por cá, as coisas têm corrido bem e ninguém pensa em fazer marcha-atrás.
É verdade que nenhuma grande cidade portuguesa pôs em prática algo que seja, sequer, vagamente parecido com as Vélib, as bicicletas públicas de aluguer acessível que, em menos de ano e meio, transformaram a vida de muita gente na capital francesa (o nome vem da aglomeração de duas palavras: velo, bicicleta; e liberté, liberdade). O mais próximo que existe em Portugal está em Aveiro, onde as 300 Bugas já se tornaram uma opção rotineira de transporte para muita gente.
No princípio, a utilização da Buga podia comparar-se à de um carrinho de supermercado: o utente metia uma moeda na bicicleta, andava nela e recolhia o dinheiro quando a devolvia a uma das estações públicas do sistema. Mas este tipo de utilização "anónima" - muito semelhante ao que existe em Paris - potencia a desresponsabilização. "No início tivemos alguns abusos", reconhece Alcino Canha, chefe do departamento das Bugas na Câmara Municipal de Aveiro. "Mas mudámos o sistema; agora as pessoas têm de se identificar ao levantarem as bicicletas e isso reduziu os problemas."
Bute nas universidades
Enquanto em Paris os problemas são notícia, em Portugal o aluguer de bicicletas é um negócio em expansão. Há muitas empresas que se dedicam a esta actividade, mas, para lá de Aveiro, a única autarquia que se envolveu nesta área foi a de Cascais, com as suas BiCas. São 250 e a procura é sempre muita, analisa Alexandre Soares, funcionário da Câmara de Cascais responsável pelo programa.
Tal como acontece em Aveiro, quem aluga uma bicicleta deixa a sua identificação e isso - aliado ao facto de estas bicicletas serem "muito diferentes das outras", pormenor também destacado por Alcino Canha, das Bugas - tem prevenido problemas. "Vandalismo, nada! E se desaparece alguma, volta logo no dia seguinte. As pessoas vêem que passou a hora e guardam-nas durante a noite...", explica Alexandre Soares.
Mas o maior contingente de bicicletas de aluguer em Portugal pertence à IdeiaBiba, que aposta no meio universitário. Tudo começou na Universidade do Minho, onde, desde há um ano, já há 400 Bute em funções - e "uma lista de espera brutal", adianta Ricardo Pires, responsável pela área de mobilidade da empresa. O sistema deverá ser alargado às academias de Lisboa e Porto no próximo ano lectivo, com pelo menos mais 1000 veículos em cada cidade. A crise trouxe alguns pontos de interrogação, mas a fase de pré-inscrição já está em marcha.
O sistema é diferente. Aqui não se trata de um aluguer ocasional: cada estudante recebe a sua bicicleta, que está identificada com um nome de código escolhido pelo utilizador e a faculdade ou instituto do aluno. "É claro que já vimos 'artistas' a fazerem cavalinhos e outros disparates, a esquecerem-se da bicicleta quando bebem uns copos. Mas falando com eles tudo se resolve. É malta nova, faz parte do processo de crescimento. E o facto de cada Bute estar atribuída a uma única pessoa leva a que esta cuide da sua durante o período de utilização", esclarece Ricardo Pires.
a A Câmara Municipal de Lisboa tem em curso o processo de escolha, por diálogo concorrencial, de uma solução para a "criação, implementação e financiamento" de uma rede de bicicletas de uso partilhado na cidade. O vereador do Espaço Público, José Sá Fernandes, tem a expectativa de que os primeiros veículos de duas rodas possam estar nas ruas em Setembro deste ano.
Em Junho de 2008, o presidente da autarquia anunciou que o sistema deveria entrar em funcionamento daí a um ano, mas o chumbo da proposta camarária pela maioria social-democrata da Assembleia Municipal de Lisboa, com o argumento de que estava "mal fundamentada", contribuiu para atrasar o processo.
O vereador do Espaço Público disse ao PÚBLICO que a autarquia está neste momento "a informar os candidatos, a prestar esclarecimentos" e só numa fase posterior terá lugar a entrega de propostas concretas pelos interessados e a sua avaliação pelos serviços da autarquia. Salientando que este processo não está a ser conduzido por si, mas sim pelo vice-presidente Marcos Perestrello, Sá Fernandes referiu que houve seis consórcios a mostrar interesse em avançar com a criação da rede de bicicletas de uso partilhado.
A ideia da Câmara de Lisboa é que sejam criados 250 postos na cidade para receber um total de 2500 bicicletas, às quais qualquer um poderia aceder através da utilização de um cartão criado para o efeito e com um baixo custo anual. O vereador do Espaço Público fala num valor próximo dos 20 euros e acrescenta que a localização dos postos vai ser definida pela autarquia, privilegiando-se a proximidade de transportes públicos.
O autarca lisboeta diz que o projecto tem um custo estimado de cerca de 40 milhões de euros para um período de dez anos mas garante que ainda é cedo para dizer se vai, ou não, representar um encargo para a autarquia. "A câmara pode ter custos ou pode não ter", diz o vereador, explicando que quem avançar com o desenvolvimento da rede de bicicletas pode reivindicar ao município contrapartidas não monetárias como publicidade ou outras.

a Se há uma paixão comum, uma vontade comum e um grupo com ideias comuns para pôr em prática, os projectos podem nascer. E nascem. No Porto, foi mais ou menos desta forma imprevista que surgiu o programa das voltas nocturnas de bicicleta pela cidade: juntam-se pessoas com vontade de pedalar (e falta de tempo para o fazer durante o dia) e o programa começa a rolar - de noite. A ideia não é original, já estava em prática noutras cidades, noutros países - porventura mais habituados a estas andanças de exercício físico e com terrenos mais amigos dos velocípedes. (...)
Se a despesa num carro eléctrico pode ser descontada no IRS, porque é que as bicicletas não usufruem do mesmo direito, questiona um grupo de cidadãos que assinou uma petição entregue na Assembleia da República, no mês de Janeiro. O Orçamento do Estado para 2009 exclui, à partida, os velocípedes da lista de veículos não poluentes, contrariando uma tendência que acompanha o discurso sobre a luta contra as alteraçõess climáticas. Do ponto de vista energético, a bicicleta é o veículo mais eficiente e, por isso, a petição propõe "uma pequena alteração/clarificação que alargue aos velocípedes os benefícios fiscais à aquisição de veículos eléctricos, como de resto já ocorre em vários países europeus". Portugal, note-se, é o segundo país da União Europeia com um maior peso do automóvel no transporte de pessoas.

Ainda que os incentivos fiscais não existam, o Parlamento aprovou este mês um plano nacional de promoção da bicicleta, na perspectiva de "aumentar a percentagem de ciclistas em circulação em Portugal até 2012", com campanhas de sensibilização.
Enquanto em Portugal, Bugas, BiCas ou Butes são, na esmagadora maioria dos casos, respeitadas pelos utilizadores, em Paris, quase metade dos cerca de 20.000 veículos disponibilizados (e que já serviram mais de 42 milhões de utilizadores em 18 meses) são dados como roubados. Os actos de vandalismo são uma constante. As Vélib aparecem penduradas em postes de iluminação, nas águas do rio Sena, e algumas foram contrabandeadas. Os resultados são demolidores. A JC Decaux, que gere o sistema, quer encerrar as estações de aluguer mais problemáticas, mas a extensão da rede aos subúrbios é uma bandeira do actual presidente da câmara, Bertrand Delanoe, que até já aceitou assumir as
despesas de substituição e reparação das bicicletas.

1 comentário:

JT disse...

E a experiência de Évora nos finais dos anos 90? Se não me lembre mal demorarou dois dias até que fossem todas roubadas ou destruídas..