In Público (12/2/2009)
Ana Henriques
«"Seria um erro manter o edifício do tribunal nas mãos do Estado, que não cuida do seu património", diz o juiz Fernando Negrão, hoje vereador
A indignação que se vive nos meios judiciais por causa da anunciada transformação do Tribunal da Boa-Hora, em Lisboa, num hotel de charme, não tem eco entre os especialistas ligados ao património. É pelo menos essa a conclusão das conversas que o PÚBLICO teve com alguns deles. Actualmente a desempenhar funções de vereador da Câmara de Lisboa pelo PSD, o juiz Fernando Negrão acha que a melhor solução é mesmo tirar o antigo convento das mãos do Estado, "porque este não cuida do seu património".
Os ratos que nunca se coibiram de partilhar os gabinetes com os magistrados dos juízos criminais ao longo das décadas chegaram a ser pretexto para uma crónica de Paquete de Oliveira. O sociólogo pensa que a solução ideal passaria por recuperar o edifício mantendo-lhe funções na área da justiça. É isso que defende a Associação de Juízes pela Cidadania, que promove uma petição a condenar a venda do antigo convento a privados, pelo que isso significa em termos de perda de memória. O protesto já recolheu mais de mil assinaturas.
"Um Estado em situação de penúria abre mãos dos meios que tem" para fazer dinheiro, reconhece Paquete de Oliveira. O investigador notou algumas diferenças entre o discurso dos funcionários de justiça da Boa-Hora, "mais sensíveis às condições de trabalho", e o dos magistrados, "mais virado para a carga simbólica do edifício".
Já o olisipógrafo José Sarmento de Matos mostra pouca paciência para posições "um bocadinho saudosistas". Na sua opinião, "a história não pára, e não se pode ficar eternamente preso a uma memória", se se concluir, como parece ser o caso, que o edifício junto à Rua Nova do Almada já não serve para as funções que desempenha há mais de século e meio. Um hotel? "Pode trazer benefícios, embora nesta conjuntura possa haver dificuldades em arranjar investidores", avisa.
A ocorrer sob a égide da Sociedade Frente Tejo, entidade de capitais públicos encarregue de recuperar a frente ribeirinha, a transformação do tribunal em hotel constitui para o historiador de arquitectura Sérgio Rosa de Carvalho uma oportunidade de revitalizar a Baixa. Tem é de ser uma intervenção exemplar do ponto de vista da preservação patrimonial: "É essencial manter aspectos como as janelas de guilhotina ou os azulejos. Não pode ser escolhido para o projecto um arquitecto que se queira afirmar pela sua criatividade." "O edifício tem de ser convenientemente restaurado", diz também Sarmento de Matos.
"Façam um convento" Cáustico, o advogado José Miguel Júdice, que durante algum tempo liderou a Sociedade Frente Tejo, lança mais uma acha para a fogueira da polémica da Boa-Hora, cuja transformação o ex-Presidente da República Mário Soares considera "uma pouca-vergonha". "Que transformem o edifício num convento", desafia Júdice. Afinal, foi para isso que o edifício foi construído no séc. XVIII.
A concentração de serviços no Parque das Nações que está a ser feita pelo Ministério da Justiça, e que implicará a mudança deste tribunal em Julho para o antigo recinto da Expo, faz todo o sentido, defende o causídico - tal como a abertura do hotel no edifício que será deixado vago na Baixa. Há contestação? "A Boa-Hora dá jeito aos advogados com escritório lá perto", observa.
Sem conseguir optar por nenhum dos lados da barricada, o urbanista Walter Rossa argumenta que a saída de serviços públicos da Baixa é sempre negativa, pela redução de actividade que implica. Por outro lado, "diz-se há tanto tempo que o tribunal ali não tinha condições de funcionamento". A clientela do hotel de charme não conseguirá compensar o desaparecimento dos juízes, réus, funcionários e advogados? "Não sei", responde Walter Rossa. Um museu ali é que não: "Não podemos ocupar sistematicamente com museus os edifícios da Baixa com valor patrimonial, senão estamos na mesma a matar esta zona da cidade."
"De há uns tempos a esta parte surgiu a mania dos hotéis de charme", critica outro olisipógrafo, Appio Sottomayor. Planeada há vários anos, pelo menos desde o tempo em que João Soares era presidente da câmara, esta é uma transformação chocante? "Dizer que estou indignado é forte de mais. Mas os lisboetas tradicionais como eu não vêem a coisa com bons olhos", responde. "No dia em que tirarem os bancos da Rua do Ouro e as repartições do Terreiro do Paço a Baixa morre." Depois de ter passado cinco anos da sua carreira de juiz na Boa-Hora, o agora vereador de Lisboa Fernando Negrão deixou de ter dúvidas: "Seria um erro manter a Boa-Hora nas mãos do Estado, que não cuida do seu património. Se a transformação em hotel for rápida e preservar os traços do edifício, é preferível."
Depois de cinco anos a trabalhar no degradado tribunal, Fernando Negrão acha preferível o edifício ser hotel»
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11 comentários:
Pois, para Júdice até lhe pode interessar o hotel já que está ligado ao ramo...
(LucasdaSilva, Terça 10, às 10:35)
De um dos meus escritos sobre o património retiro esta passagem que se refere ao Tribunal da Boa Hora, seria excelente a mobilização dos cidadãos para evitar mais uma atrocidade que atinge a nossa identidade.
"A cultura não abre telejornais, não é decisiva para ganhar eleições, não dá lucro a quem pretende tirar dividendos imediatos do negócio.
Este assunto vem a propósito da anunciada venda do Convento onde funciona o Tribunal Criminal da Boa-Hora. Foi fundado em 1633 e por decisão do governo, vai passar a hotel de luxo, de acordo com o plano da zona ribeirinha. O Palácio onde decorreram julgamentos históricos, vende-se a um grande grupo económico, tudo se cede ao grande capital.
O negócio é patrocinado pelo governo do Partido socialista, que teve militantes seus, chego a duvidar, sentados no banco dos réus dos Tribunais Plenários, de má memória. Nestes os antifascistas já entravam com a sentença lida, mesmo que entre os seus defensores estivessem homens como Mário Soares, fundador do partido do governo.
Será que algum dos actuais dirigentes se lembra disso, o socialismo e o passado de luta pela democracia, estão irremediavelmente encerrados e irrecuperáveis no fundo de uma qualquer gaveta para onde foram engenhosamente atirados. Antes foi a anunciada venda da sede da PIDE/DGS (Polícia Internacional de Defesa do Estado/Direcção Geral de Segurança), na Rua António Maria Cardoso, deve seguir-se o Aljube e o Forte de Caxias, porque a venda de Estabelecimentos prisionais, está na ordem do dia, independentemente do seu valor histórico e arquitectónico.
Alguém disse que um homem sem memória, não é ninguém, mesmo muito inteligente, e um país que vende parte integrante da sua memória colectiva, não tem identidade, não é uma Nação na verdadeira acepção da palavra. Haja quem consiga salvar o nosso património histórico e cultural e o Tribunal Criminal da Boa-Hora faz parte dele. A JUSTIÇA, sem o mais simbólico dos seus tribunais, fica muito mais pobre, é menos JUSTIÇA. "
Depois de ouvir, os juristas, o Dr. Mário Soares e outros eminentes anti-facistas seria bom que a generalidade dos cidadãos saisse em defesa deste património, porque ao que parece a sede da PIDE-DGS na António Maria Cardoso, já se foi, é uma pena.
Mas o dinheiro dos nossos impostos só serve para pagar pensões milionárias? Para pagar aos "Varas" e aos gestores da CGD?O nosso património não pode ser recuperado dignamente?
Este país está á venda; aqui até vendem as mães se isso lhes der dividendos!
O dr Fernando Negrão???
Mas esse sr foi por defender situações dessas que levou o que levou nas últimas autárquicas.
Protesto por Boa-Hora passar a Hotel de Charme
FILIPA AMBRÓSIO DE SOUSA
Justiça. Quase 200 pessoas juntaram-se ontem num protesto contra a conversão do Tribunal da Boa Hora, no Chiado, em hotel de 'charme'. Mário Soares alertou para a não desertificação do centro de Lisboa
"Tem que se explicar que não se pode fazer aqui um hotel. A mim pessoalmente choca-me". As palavras de Mário Soares, ex-presidente da República, sintetizam o sentimento geral das quase 200 pessoas que ontem encheram a maior sala de audiências do Tribunal da Boa Hora, no Chiado, em Lisboa.
A razão? Um protesto contra a conversão do tribunal criminal num hotel de charme, previsto num plano anunciado em Maio de 2008. E que, nos últimos dois meses, reuniu mais de mil assinaturas. "Não nos conformamos com a decisão governamental de afectar este tribunal a um hotel de charme", defendeu Renato Barroso, juiz do caso Vale e Azevedo e do Caso Moderna que inaugurou a sessão.
Os argumentos são objectivos: a opção de reconverter este espaço judicial numa unidade hoteleira é um atentado à memória colectiva. "Mas não só de juízes, procuradores e advogados, mas de todos nós", explicou o magistrado, membro da Associação de Juízes pela Cidadania, que organizou o evento.
As baterias foram apontadas ao Governo e à Câmara Municipal de Lisboa (CML). "Estas são as mesmas pessoas que acham que a segurança se alcança tirando dos tribunais as caixas multibanco", explicou Renato Barroso, numa clara alusão à mais recente medida do Governo.
Já Mário Soares apontou o dedo à autarquia: "A mim pessoalmente choca-me que a câmara municipal queira levar este projecto por diante".
Da parte dos 'visados' a reacção diverge. O presidente da autarquia, António Costa, mantém a intenção, alegando que o edifício e o local não oferecem condições para a administração da Justiça.
O titular da pasta da Justiça, Alberto Costa, é mais brando: "A utilização futura do edifício do Tribunal da Boa Hora não é da minha responsabilidade", diz, considerando, no entanto, "prematuro especular" sobre o destino daquelas instalações.
O tribunal passará a funcionar num novo complexo do Parque das Nações, em Lisboa. A alienação deste edifício faz parte de um conjunto de imóveis - que o Governo vendeu para concentrar na zona oriental de Lisboa 25 serviços do Ministério da Justiça. Venda essa da responsabilidade do Ministério das Finanças.|
"Se a transformação em hotel for rápida e preservar os traços do edifício, é preferível."
Nunca lá entrei mas....suspeito que num edifício destes, haja muito mais que "traços" a preservar. A "treta dos traços" continua a enganar muitas cabecinhas...
"Traços", traças e ratos...
Pois , é melhor lavar tudo com lixivia, os ratos, as traças e os "traços" também.
Aliás o que é que melhorou com o Hotel do outro lado da rua?
Muito, a Baixa ganhou um dinamismo nunca antes visto.
Mas há alguém por aqui que pense que a Baixa vai dinamizar com este tipo de serviços?
Vão ser os Mercedes, Jaguares, Bentley's e afins a subir a rua , a descer a mesma,a entrar na garagem, a sair da garagem e turistas nada.
Vejam o dinamismo da Lapa.
já cá faltava o argumento contra o capitalismmo
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