15/04/2010

Acções judiciais contra a CML valem 1,2 mil milhões

In Público (15/4/2010)
Por José António Cerejo

«Valor total que a câmara admite ter de pagar é de 546 milhões de euros. Risco maior é do tempo de João Soares

Costa executou 68 por cento do plano de actividades
Transparência a conta-gotas

O valor global das indemnizações e dívidas reclamado à Câmara de Lisboa desde 1989, em 986 acções ainda pendentes nos tribunais, é de 1232 milhões de euros. Deste total, como o PÚBLICO ontem noticiou, os serviços jurídicos da autarquia admitem haver uma "enorme probabilidade" de o município vir a ser condenado a pagar 546 milhões. Por isso mesmo, e porque o revisor oficial de contas "obrigou" a fazê-lo, conforme a câmara afirmou ontem em comunicado, esse valor foi incluído no passivo camarário, que totalizou os 1.952 milhões de euros, mais 30 por cento (455,6 milhões de euros) do que em 2008.

Uma das novidades dos números ontem divulgados pela autarquia é que o ano de 1997, quando João Soares era presidente, foi de longe, nas duas últimas décadas, o mais desastroso em matéria de risco de condenação judicial. Ao todo estão pendentes 21 acções entradas nesse ano, com um valor de cerca de 158 milhões de euros, sendo que apenas uma delas, referente ao pedido de anulação de uma doação não especificada, envolve 120 milhões de euros.

Daqueles 158 milhões, o relatório de gestão de 2009, ontem aprovado com os votos contra da oposição, contabiliza no passivo, na rubrica das provisões e devido ao "enorme" risco de a câmara ter de vir a pagá-los, mais de 146 milhões. Quer dizer que a soma dos processos daquele ano representa um valor próximo de 27 por cento do valor total dos casos provisionados. Por outro lado, o valor em risco em 1997 corresponde a 92% do total das acções desse ano.

Taxas de risco semelhantes, embora muito mais baixas, só se verificam em 2001, 2008 e 2009. No primeiro desses anos, João Soares também era o presidente e a relação entre os 166 milhões de euros das 64 acções em curso e os 84 milhões levados à conta de provisões é de 51%. Já em 2008 e 2009 o presidente era António Costa, estando a correr, no primeiro caso, 108 acções relativas a 164 milhões, 63% dos quais são julgados de risco pela autarquia. No ano passado são 102 as acções com 76 milhões pedidos e um risco de perda de 55%. Nos cinco anos dos mandatos de Santana Lopes e Carmona Rodrigues (2002 a 2007) o montante global das acções provisionadas ronda os 88 milhões em perto de 423 milhões reclamados por empresas e particulares, o que corresponde a um risco de 21%. Esses 88 milhões representam cerca de 16% do total das verbas em risco em 5 anos, contra os 27% só de 1997.

Independentemente da responsabilidade política que os diferentes partidos possam ter nestas situações - que os vereadores ainda não tinham analisado -, tanto o PSD como o PCP desvalorizaram o aumento do passivo resultante do reforço das provisões, bem como o montante total dos valores reclamados à câmara em tribunal. "Há que reconhecer que uma parte significativa [cerca de 395 milhões de euros] do aumento do passivo se prende com provisões e achamos que a câmara deve ter uma gestão prudencial e de transparência dos riscos", afirmou Gonçalo Reis (PSD).

O autarca admitiu que "provavelmente o executivo já sabia há alguns meses" que o passivo não eram os 1550 milhões anunciados em Fevereiro, na apresentação do orçamento, mas não emitiu qualquer juízo por não poder garanti-lo.

Para o PSD, o essencial não é o passivo, mas sim o aumento do endividamento de 1.116 para 1.169 milhões de euros e "o esgotamento de um modelo de gestão" em que as despesas continuam a ser superiores às dívidas. Ruben de Carvalho, do PCP, sublinhou as baixas taxas de execução do orçamento de 2009 e o facto, também notado pelo ROC e pela vereadora Helena Roseta, de a câmara continuar sem um inventário do património como a lei e a verdade das contas exigem. António Carlos Monteiro, do CDS, foi o único a dizer que não ficou convencido com as explicações para o aumento do passivo dadas pela vereadora das Finanças. Maria João Mendes afirmou que se tratava de uma mudança de critérios na criação de provisões para os processos judiciais, determinada pelo ROC, e que esse aumento não era imputável à gestão de 2009. "O que isto mostra é que a câmara continua a não ter as contas arrumadas e o seu presidente, quando disse que tinha, faltou à verdade e enganou os lisboetas", comentou António Carlos Monteiro.»

3 comentários:

Anónimo disse...

Só com a entrada em vigor da Lei das Finanças Locais (LFL), em 2007, é que os municípios passaram a ter a obrigação de apresentar a certificação legal de contas (CLC), bem como a ter as contas auditadas por um revisor oficial de contas (ROC).
Um ROC minimamente responsável exigirá conhecer com grande profundidade toda a documentação sobre a qual vai ter de responder (os rocs's respondem por informações incorrectas).
Uma entidade que nunca teve ROC, nem contas auditadas, como devem imaginar, demora alguns anos até que toda a documentação esteja minimamente coerente, até porque os seus processos internos muitas vezes padecem de grandes vícios.
Por experiência e analogia com outros municípios, os ROC's da CML devem ter, nestes dois anos, apresentado várias recomendações e alertas para as dificuldades de conciliação de toda a documentação. Até que chega a uma altura em que a casa está mais ou menos arrumada e então, podem fazer recomendações definitivas que a CML deverá seguir, sob pena das suas contas serem fechadas com reservas, o que poderia significar um chumbo em reunião de câmara ou assembleia municipal, ou ainda, uma inspecção da IGF.
No caso específico da CML, e do pouco que sei sobre estes assuntos, parece-me perfeitamente natural que tenha sido feita a recomendação de constituição de uma provisão para riscos e encargos sobre os montantes das acções e processos judiciais que a CML não tem a certeza de vir a ganhar em tribunal (são 1,2 mil milhões de euros).
É uma regra prudencial de boa gestão e não me choca nada, antes pelo contrário.
Deverá servir para tirar lições no futuro e não protelar tanto os processos ou tomar medidas irresponsáveis que resultem em processos judiciais.
A questão que se está a levantar só deveria servir para controlar orçamentos futuros e não para ser utilizada como arma de arremesso político.
Luís Alexandre

Filipe Melo Sousa disse...

agradeçam ao sá fernandes
e já agoram mandem a conta para casa dele

Anónimo disse...

Já agora, agradeçam 1º ao João Soares, porque muitos dos processos que ainda estão pendentes vêm do tempo da gestão dele.
Quanto ao Sá Fernandes, e em particular no que à obra do Túnel do Marquês diz respeito, se formos analisar com cuidado, o grande causador de situações como estas é a mania portuguesa de se fazer as coisas da maneira mais fácil (pagando para tal, milhões de euros a consultores técnicos e jurídicos), a qual é alimentada pelo excesso de legislação mal feita e burocracia "parva" que só servem para desresponsabilizar quem decide e forçar quem quer fazer, a malabarismos e negociatas subterrâneas.
Luís Alexandre