25/01/2010

Câmara alugou parte de um palácio histórico por 507 euros em 2004

In Público (25/1/2010)
Por José António Cerejo


«Contrato é válido por 20 anos, mas os serviços queriam um prazo de cinco. O beneficiário pretendia manter renda de 33 euros

As explicações de Helena Lopes da Costa
Edifício reconstruído

A Câmara de Lisboa celebrou, em 2004, um contrato de arrendamento com um advogado e dirigente do Centro Nacional de Cultura (CNC), que lhe permite ocupar, durante 20 anos, uma vasta área de um palácio setecentista, no centro da cidade, com uma renda de 507 euros por mês.

A decisão de comprometer o município por 20 anos foi da responsabilidade da então vereadora Helena Lopes da Costa, actualmente deputada do PSD, que satisfez assim a pretensão do inquilino, Alberto Vaz da Silva, contariando os pareceres dos serviços camarários, que popunham um contrato com o prazo normal de cinco anos.

O Palácio Cabral, situado ao fundo da Calçada do Combro e classificado como imóvel de interesse público, acolhe desde a década de 1990 a sede da Junta de Freguesia de Santa Catarina. Já estava parcialmente arrendado, há mais de 20 anos, à família de Helena Vaz da Silva - a ex-presidente do CNC, falecida em 2002 - quando a câmara adquiriu o imóvel, em 1968. Por morte da mãe, o arrendamento foi transmitido a Helena Vaz da Silva em 1980, nos termos da lei, mantendo a renda de cerca de cinco euros.

Após o falecimento da antiga presidente do CNC - que foi deputada pelo PSD no Parlamento Europeu entre 1994 e 1999 -, o viúvo, Alberto Vaz da Silva, quis que a câmara passasse o contrato para seu nome, com a renda que vigorava na altura, 33 euros.

Despacho contraria serviços

O pedido de Vaz da Silva justificava a solicitação de transmissão do contrato com o facto de ali viver com a ex-mulher há mais de 30 anos e não ter outra residência "em Lisboa ou co- marcas limítrofes". Em alternativa aceitava um novo arrendamento. Embora a carta que dirigiu à autarquia não fale no assunto, diversos do- cumentos camarários posteriores salientam que o interessado, agora com 73 anos, terá pedido verbalmente à então directora do Departamento de Património Imobiliário, Clarinda Mendes, que o contrato tivesse uma duração de 20 anos.

Analisado pelos juristas do município, o pedido de transmissão do contrato foi recusado por falta de cobertura legal. Em contrapartida foi-lhe reconhecido o direito a um novo arrendamento que não deveria ter um prazo superior a cinco anos, durante o qual seria aplicado o regime da renda condicionada. Nas renovações posteriores, segundo os serviços, o regime de renda não teria "quaisquer condicionalismos".

A possibilidade de fazer um arren- damento por um prazo superior a cinco anos não era completamente excluída, mas era qualificada como "um acto administrativo extraordinário", que carecia de "aprovação do colectivo camarário".

Uma vez calculada a renda a aplicar, de acordo com a fórmula estabelecida na lei, tendo em conta a área últil da habitação, no total de 180 m2, e o seu estado de conservação, conforto e vestutez, os serviços propuseram, em Outubro de 2003, o valor de 507 euros mensais e um prazo contratual de cinco anos.

Este prazo teria a vantagem de dei- xar mais espaço de manobra ao município, para o caso de pretender dar um outro uso ao palácio, além de afastar quaisquer condicionalismos na fixação das rendas posteriores.

A proposta, que recebeu a aprovação da chefe de divisão e da directora do Departamento do Património Imobiliário mereceu a concordância da vereadora Helena Lopes da Costa quanto ao valor da renda, mas, quanto ao prazo, o despacho, escrito pela sua mão, contraria os serviços: "O contrato deverá ser de 20 anos".

Dois anos e meio de perdão

Passado quase um ano, em Julho de 2004, apesar de a lei estipular que os efeitos do novo arrendamento, incluindo o aumento da renda, começam a vigorar após a caducidade do anterior (Agosto de 2002), os serviços propõem que, devido à demora da conclusão do processo - em parte da responsabilidade de Vaz da Silva -, os 507 euros só sejam pagos a partir do mês seguinte, depois da celebração do contrato.

O mesmo parecer, que recebeu a concordância de Lopes da Costa, sustenta igualmente que, por via das delegações de competências e de uma interpretação da lei baseada na equiparação do caso a situações dificilmente comparáveis, a aprovação do prazo de 20 anos pode ser dada pela própria vereadora sem ir à reunião de câmara.

O contrato recebeu a assinatura da vereadora no mesmo dia (16 de Julho), mas Vaz da Silva só o levantou nos correios em Outubro, para juntar a sua assinatura. Telefonicamente pediu depois que a validade do arrendamento se iniciasse apenas a 1 de Janeiro de 2005, coisa que, segundo um novo parecer dos serviços, não podia ser aceite pelas razões legais antes invocadas.

No entanto, novamente com a justificação do atraso na conclusão do processo, o pedido foi aceite, sendo o contrato alterado e assinado por Lopes da Costa e Vaz da Silva no fim de Novembro, vigorando a nova renda a apenas no primeiro dia do ano seguinte.»

3 comentários:

Maxwell disse...

Isto é ridiculo. Como é que se permite este tipo de coisaS?

Anónimo disse...

E depois deste escândalo outro virá. E outro. E outro. E outro...

A história das rendas para os amigos é interminável.

J A disse...

Pois é...anónimo das 2:13! Os contribuintes de Lisboa pagam estas contas ano após ano e, daqui a trinta anos, ainda vamos encontrar outro..e mais outro..e outro ainda.